Lições do vizinho

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Não é só no futebol que a Argentina surpreende (para o bem ou para o mal). No último final de semana, os hermanos marcaram um golaço. E isso é fruto de todo um contexto político e social, que inclui a capacidade de articulação e convencimento, o que parece ser um dom natural dos argentinos. Hay que admirarlos y aprender con ellos.

Testemunho com certa frequência a atuação de argentinos em fóruns internacionais. Atendo-nos apenas ao seu comportamento, é preciso admitir que são excelentes articuladores. Primeiro, se expressam muito bem, são convincentes e envolventes com as palavras. Além disso, estão sempre preparados para dominar a situação; algo que nós, brasileiros, embora nos preparemos previamente, não temos a intenção de conseguir. Os argentinos têm gana, são empreendedores e acreditam realmente que suas ideias e propostas são as melhores, e é nesse momento que surgem as rusgas. Por óbvias razões.

Justamente por conhecer o entusiasmo e a gana dos hermanos, foi triste ver a derrocada forte e constante do vizinho na última década. A economia, que já não estava lá essas coisas, ruiu de vez; o dólar aumenta a cada dia; a pobreza se multiplica. Nos últimos cinco anos, cresceu enormemente a quantidade de moradores e tipos suspeitos nas ruas de Buenos Aires.

Os indicadores econômicos do vizinho sequer são confiáveis. É sabido que o governo manipula os índices de inflação e diversos outros indicadores. Sabido e admitido por qualquer argentino na rua.

Mas os argentinos sempre se reinventam e dão a volta por cima. Na vanguarda da política mercosulista, elegeram um opositor do bolivarianismo para presidir seu país no próximo quadriênio. Podíamos ter saído na frente, mas…

O novo presidente argentino já disse a que veio. Quer fortalecer o Mercosul, banindo a política protecionista kirchnerista que está minando as relações com o Brasil. Mauricio Macri, inclusive, anunciou que sua primeira visita oficial será ao Brasil. Também declarou que quer retomar uma agenda mais positiva com os Estados Unidos e com a União Europeia. E sua missão mais ousada, a depender do comportamento do presidente venezuelano, é propor aos demais sócios do Mercosul suspender a Venezuela do bloco, avocando a cláusula democrática. O mundo inteiro sabe que o governo venezuelano mantém opositores presos, uma prática totalmente antidemocrática. Por menos, o Paraguai foi suspenso pela dupla bolivariana (Cristina e Dilma) e por um incomodado Mujica, manobra que permitiu a entrada da Venezuela no bloco econômico do cone sul.

Apesar de o risco Argentina ter diminuído com a eleição de Macri, ainda pairam incertezas. Para início de conversa, o eleito não pertence a nenhum dos dois grandes partidos da Argentina. Além disso, seu partido é novo e foi fundado por ele próprio. A governabilidade pode estar ameaçada, pois a maioria do Congresso é peronista ou kirchnerista, ou seja, será oposição.

Enquanto isso, no Brasil, mesmo com a reeleição da amiga e aliada de Kirchner, há manifestações populares frequentes pedindo o impeachment da nossa presidente (bolivariana). Fala-se em golpe, mas liberdade de expressão e manifestação pública organizada são direitos constitucionais de qualquer cidadão brasileiro. E o impeachment, também previsto na constituição, tem uma série de procedimentos e provas necessárias para que ocorra: caso logre êxito, não será um golpe. Um ponto muito positivo é que nem Dilma nem qualquer membro de seu governo jamais impediu qualquer manifestação de qualquer cidadão brasileiro. O nome disso é democracia.

Dilma ou qualquer outro membro de seu governo também jamais impediu ou atrapalhou as investigações da Polícia Federal ou influenciou nas decisões do Poder Judiciário, mesmo que isso atinja diretamente a própria presidente. Prova disso é a prisão de um homem forte na articulação com o Congresso Nacional, com trânsito livre pelo Planalto, o Senador Delcídio do Amaral, em pleno exercício do mandato. Nunca antes na História!

É difícil dizer o mesmo da saliente[1] presidente argentina, já que um procurador argentino morreu, em circunstâncias suspeitas, justamente um dia antes de denunciar a presidente por acobertar um atentado que matou 85 pessoas em 1994. O documento com sua denúncia foi levado à justiça argentina pelo seu substituto, a denúncia não foi aceita e em seguida definitiva e “devidamente” arquivada.

Apesar de todos os nossos problemas e das inúmeras restrições que temos ao atual governo, ninguém pode acusá-lo de ditatorial ou de não respeitar as liberdades constitucionais ou a independência dos poderes. Mil pontos para Dilma.

Quero vê-la ganhar mais mil pontos apoiando a proposta de Macri para o Mercosul, mas acho difícil que ela concorde. Bom, pelo menos vemos na Argentina uma luz no fim do túnel, na vanguarda da política mercosulista. Que isso nos sirva de lição. Se eles acordaram pra vida, nós, os venezuelanos e os bolivianos também podemos acordar, não é mesmo?

Bom fim de semana procês!

[1] Em español = quem está de saída

2 Responses

  1. Jorge Cortás Sader Filho disse:

    Não preciso falar muito, Vânia. Você me conhece.
    Abraço,
    Jorge

  2. Realmente uma grande lição do vizinho! O Brasil precisa fazer um Benchmarking de Governança com outros países, somos um País de tanta riqueza natural e temos tudo para ser um dos melhores países para se viver e não é aproveitado tudo isso da maneira que deveria ser! Vamos ver agora se estas mudanças ocorram, na torcida aqui! 😀