Vinte anos

Vinte_anos— Foram boas as férias, não acha? – perguntou uma animada Alexandra ao esposo, João Marcos.

— Foram – respondeu João, sem o menor entusiasmo.

Estavam na varanda da casa de praia alugada. Ele, deitado na rede, ela meio deitada, meio sentada na cadeira da piscina que fora arrastada até ali. O fim de tarde estava bem calmo, o sol se punha no horizonte marítimo, formando uma paisagem colorida. Ouvia-se apenas o barulho das ondas e, um pouco distante, as risadas dos filhos.

— Depois de amanhã voltamos para casa – falou Alexandra, desinteressadamente.

— Eu volto amanhã, já aluguei um carro para mim, devolvo em São Paulo, amanhã mesmo. Você pode voltar no seu carro com as crianças. Quero chegar antes para pegar minhas coisas em casa e me acomodar no flat que aluguei. Não quero que elas me vejam fazendo as malas.

João suspirou entristecido:

— Que dia é hoje? – perguntou.

— Quarta-feira, 29. Janeiro acabando, férias no fim.

— Esta noite conversaremos com as crianças, certo?

— Crianças, João? A Clara já está com dezesseis anos e o Júnior já fez treze. Estão bem grandinhos, vão entender tudo direitinho – afirmou uma incisiva Alexandra. E prosseguiu:

— São grandinhos e muito inteligentes. Aposto que já perceberam que estamos nos separando.

João encarou Alexandra. Os cabelos, sempre mal cuidados, estavam ainda mais maltratados pela ação combinada do sol e do mar. A pintura antiga já mostrava as raízes brancas que, naquela altura, aos 52 anos, já estavam abundantes. O corpo permanecia magro e as rugas de expressão de seu rosto se mostravam mais fundas. A pele ressecada e unhas malfeitas denunciavam a falta de cuidado com a pele, pelo menos durante aqueles quinze dias de praia. Passara os últimos vinte anos de sua vida com ela. Amara-a, mas depois de vinte férias juntos, dois filhos, uma casa confortável em um condomínio em São Paulo, um belo par de chifres e duas tentativas frustradas de retomar a vida conjugal, finalmente se separariam. Talvez por isso ela não se importasse em se cuidar. Já estava tudo acabado mesmo.

— Bom, o que é importante dizer nessa conversa é que eles não vão perder o pai, que a vida deles não vai mudar muito e que todos seremos mais felizes assim – afirmou uma Alexandra assertiva, completamente segura de seus passos.

— Vamos à pizzaria? Eles adoram pizza, acho que poderá amenizar o impacto da notícia, se é que haverá impacto, como você diz – perguntou João Marcos.

— Pode ser.

— Vou dar um último mergulho e já chamo as crianças para o banho.

João Marcos levantou-se da rede, abriu o portãozinho de ferro e saiu na areia da praia. Alexandra permaneceu meio deitada, meio sentada, sonolenta. Pôde ver o encontro do pai com os filhos, as brincadeiras no mar. Já não sabia mais se terminar tudo nas férias teria sido mesmo a melhor solução, mas continuava a ser a saída menos traumática para os filhos, que teriam como última lembrança da família reunida as ótimas férias que passaram no Guarujá.

Uma sensação de liberdade invadiu seu espírito. Poderia andar livremente nas ruas com quem bem entendesse. Não precisaria mais apagar as mensagens que recebia no celular. Não teria mais preocupações em constranger o João Marcos que, fora, sim, o homem mais importante de sua vida, afinal era o pai de seus filhos. Mas o amor já havia acabado e ela nem notou como aconteceu. Só percebeu quando se apaixonou durante uma viagem a trabalho. Parecia uma adolescente, não conseguiu disfarçar nada e achou melhor contar tudo ao João. Ele até tentou continuar com o casamento, coitado, mas já não seria mais possível. Alexandra tinha voltado à adolescência e estava perdidamente apaixonada.

Resolveu entrar na piscina para aliviar o calor e espantar o sono. Talvez até hidratar um pouco a pele seca castigada pelo sol do dia todo. Tirou a aliança que ainda usava por força do hábito. O que faria com ela? Guardaria no fundo de uma gaveta? Mandaria colocar uma pedra bonita e a transformaria numa joia? Não, isso não seria possível, afinal estavam gravados nela o nome do ex-marido e a data do casamento. Mirou a aliança e leu: João Marcos ♥ 29 de janeiro de 1994.

2 Responses

  1. Miguel Jacó disse:

    Boa noite Vânia, seus versos enredam um dos momentos mais pesarosos que um casal pode enfrentar ao logo da vida, a separação é sempre traumática, e o seu conto faz uma contextualização contagiante, transformando o que poderia ser desastroso em uma cena de recomposição de duas vidas hora fracionadas, parabéns pelo eloquente conto, um abraço, MJ.

    • Vania Gomes disse:

      Querido amigo Miguel,
      Creio que as rupturas, quando vêm, devem ser razão para um recomeço. Foi o que quis mostrar nesta história e que você captou tão bem!
      Obrigada por sua presença sempre amiga!
      Grande abraço,
      Vânia.