Trágico e talentoso

HoracioQuiroga001Estudar espanhol me incentiva a ler autores hispano-americanos na língua original da obra. Foi com o intuito de melhorar o vocabulário e, de quebra, ler um dos gêneros que mais aprecio, que li Cuentos de amor, de locura y de muerte, de Horacio Quiroga. Esta é uma dessas obras que me deixou impressionada por dias após concluir a leitura. À exceção do último conto do livro, os outros 17 são histórias trágicas. Minha edição em e-book possui três contos a mais que uma edição em português impressa que tenho em casa.

Horacio tem o raro talento de escrever realismo fantástico. Isso fica muito claro no conto El almohadon de pluma, onde a história é muito, muito real (principalmente para a época, início do século XX), mas no final descobrimos que é completamente fantástica. Horacio também dá voz a cavalos (El alambre de pua) e a cães (La insolación e Yaguaí), como fez Miguel de Cervantes em seu El coloquio de los perros, como uma forma de criticar diversos aspectos humanos e sociais, usando o olhar de animais.

O que marca cada conto é, sem dúvida, o ar sombrio do desastre iminente e, ao final, a tragédia “real” e, por diversas vezes, inusitada. A história mais trágica, a meu ver, é La gallina degollada. Envolve crianças e é um conto intuitivamente violento e, apesar da cena final não ser descrita, ficamos com aquela sensação de horror ao final da história. O conto que mais me deixou aflita enquanto o lia foi El perro rabioso, que não tem na edição em português. Esse conto dá a sensação da onipresença da desgraça. Até que, ao final, ela é desejada e, embora a última cena não seja descrita, sabemos perfeitamente como tudo termina.

Essa obra, de certa forma, parece ter a influencia das tragédias presentes ao longo da vida de Quiroga. Com um ano de idade, Horacio perdeu o pai numa caçada e nunca se soube se essa morte foi por acidente ou suicídio. Seu padrasto se suicidou quando Horacio tinha 16 anos. Poucos anos depois, matou acidentalmente seu melhor amigo. Sua primeira esposa, não aguentando mais viver a seu lado, suicidou-se. Uma vida marcada por tragédias.

Busquei sua biografia na edição que tenho em português e encontrei também o Decálogo do contista. É bem interessante a visão do autor no início do século XX. O texto é pequeno e acho que vale a pena reproduzi-lo aqui, com meus comentários, claro.

I – Creia em um mestre – Poe, Maupassant, Kipling, Tchekhov – como em Deus. – Será que posso ser politeísta?

II – Creia que sua arte é uma montanha inacessível. Não sonhe dominá-la. Quando isso for possível, você saberá. – É realmente muito difícil dominar a arte de escrever. O importante é seguir escrevendo e lendo!

III – Resista o quanto for possível à imitação, mas imite se a tentação for muito forte. Mais que qualquer outra coisa, o desenvolvimento da personalidade exige paciência. – Acredito fortemente que a imitação e a repetição são importantes aliados na aprendizagem e na escrita, na fixação de um estilo.

IV – Tenha fé cega não na sua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que você deseja esse triunfo. Ame a sua arte como a sua mulher, dando-lhe seu coração. – Se depender de meus amigos, já alcancei o triunfo! No entanto, o mercado editorial é muito difícil e a primeira coisa a se definir, a meu ver, é o que é triunfo. Confesso que me senti triunfante no lançamento de meu primeiro livro. Sem dúvida, uma vitória!

V – Não comece a escrever sem saber aonde ir. Em um bom conto, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância que as três últimas. – Acredito piamente nisto. Para falar a verdade, demoro muito para começar a escrever uma nova história. Primeiro penso no princípio, no meio e no fim do conto. Eventualmente, posso até mudar tudo, mas necessito ter uma ideia de para onde estou indo. Na contramão, ninguém mais, ninguém menos que o grande João Ubaldo Ribeiro!

VI – Se você quiser expressar com exatidão esse fato – “Um vento frio soprava do rio” –, não há, na linguagem humana, palavras mais precisas que essas. Seja dono de suas palavras, sem se preocupar com as dissonâncias. – As dissonâncias podem até ser um estilo. Creio que a linguagem direta e objetiva com palavras simples é uma maneira mais agradável e eficiente de envolver o leitor.

VII – Não adjetive sem necessidade. Inúteis serão as camadas de cor adicionadas a um substantivo fraco. Se você fizer o que for preciso, ele terá, por si só, um colorido incomparável. Mas você terá de ir buscar esse colorido. – Palavras demais, na maioria das vezes, não dizem nada.

VIII – Pegue seus personagens pela mão conduza-os firmemente até o final, sem deixar que nada o desvie do caminho traçado. Não abuse do leitor. Um conto é um romance depurado de resíduos. Tenha isso como verdade absoluta, mesmo que não seja. – Isso é dificílimo de fazer, ainda mais para uma mente tão volúvel como a minha, que qualquer frase ouvida na rua ou no telejornal pode despertar a criação de uma reviravolta no meu texto. Desobedeço a este princípio solenemente.

IX – Não escreva sob emoção. Deixe-a morrer, e depois a evoque. Se você for capaz de revivê-la, terá chegado à metade do caminho. – E olha que Horacio escreveu isso em 1927, quando não havia a facilidade de publicação que temos nos dias atuais. Talvez seja bom escrever sob emoção, nem que seja para aliviar alguma dor ou sofrimento. O que não dá é publicar isso num blog ou numa rede social, sem o devido domínio. Reler e rever o texto é essencial, principalmente depois que passar o calor da emoção.

X – Ao escrever, não pense em seus amigos, nem nas reações deles à sua história. Pense como se o seu relato só interessasse aos seus personagens, e você fosse um deles. Não se dá vida a um conto, a não ser dessa maneira. – Há muito tempo descobri que escrevo para mim mesma. Se eu gosto do que saiu, está ótimo, é o melhor do mundo. Eu acrescentaria a esse mandamento, não pense na crítica e muito menos nos críticos.

Não sou a única a violar o decálogo de Horacio Quiroga que, aliás, foi o primeiro a fazê-lo. O que me leva à conclusão que não há fórmula para escrever bem. Há alguns pequenos princípios que ajudam, mas que tampouco são invioláveis. Acredito firmemente que a melhor regra, se é que podemos chamar assim, para escrever bem é ler bastante; e ler autores bons, com quem possamos aprender alguma coisa. Tudo o mais é perfumaria.

1 Response

  1. Miguel Jacó disse:

    Boa noite vânia, não sou um escritor,
    Alias me joguei estas aventuras literárias
    Apenas a cinco anos, mas antes deito li
    Muita coisa escritas por escritores renomados,
    E percebo que são tão comuns como eu,
    De modos que nos poemas que faço busco
    Cumprir a métrica, coisa com que os
    Famosos não se preocupam, e nos demais,
    Eu acho que o autor precisa deter o leitor
    Em seu texto, se não conseguir fazer o leitor
    Ir até o final do texto, é porque algo esta
    Em desacordo com o tema proposto.

    Parabéns pelas sapientes orientações.

    Um forte abraço.

    MJ.