Os lesa-pátria

Há tempos não escrevo uma crônica, um poema, nada. As palavras se foram de mim. Nenhuma me parece suficiente ante as desgraças que vieram com 2019.

O que vou falar sobre aquele desastre criminoso de Brumadinho? Tudo o que disser, será lugar-comum, será insuficiente e vago. Meu maior temor é que Minas Gerais se converta em um mar de lama. Literalmente. Que o estado suma do mapa do desenvolvimento, afetado pela morte de gente jovem e produtiva e pela destruição dos recursos naturais que provêm os insumos para o progresso. A atividade mineradora, como vem sendo feita, deveria ser considerada lesa-pátria. E quem a pratica deveria sofrer as mais severas sanções, ainda mais se levarmos em conta alguns requisitos como, por exemplo, a reincidência.

O que mais dizer sobre aquele incêndio no CT do Flamengo? A perversidade de se alojar garotos (pobres) em ambiente inapropriado deveria ser objeto de debate da sociedade e de rigorosa punição para o clube. Soube apenas de manifestações solidárias ao Flamengo, o que, penso, é básico, é praxe. O que eu queria mesmo ouvir e ler era a imediata cassação do funcionamento do clube, afinal, assassinar jovens dessa maneira, não seria, também, lesa-pátria?

A imprensa, francamente, pouco ajuda. Vejam só que, ao completar um mês do crime de Brumadinho, um repórter de rádio de alcance nacional teve o desplante de dizer que centenas de pessoas estão desaparecidas. Um eufemismo ante o inevitável: nenhum desses cidadãos tem a mais ínfima chance de estar vivo. A desgraça matou e enterrou de uma vez: sem despesa, sem atestado de óbito, sem a dignidade de um velório. Tenho minhas suspeitas de que, salvo exceções, a imprensa, de modo geral, é pautada, tanto por políticos, quanto por empresas poderosas. Atividade jornalística que informa mal e que não instiga análise aprofundada de nada não deveria também ser considerada lesa-pátria?

Radical? Eu?

Ora, é pela falta de radicalismo, pela pacatez de nossas análises e atitudes é que, a cada dia, damos alguns passos para trás. As vidas que se perderam mereciam mais consideração, assim como os familiares que chorarão para sempre a interrupção de curso abrupta e cruel a que foram submetidos. Em nome de quê? Em nome de quem?

No meio disso tudo, vem o ministro da Justiça e apresenta um pacote de propostas de alterações na legislação penal, numa tentativa de endurecer (e perder a ternura) com o crime organizado. Os “inteligentinhos”, como diz o filósofo Luiz Felipe Pondé, mais do que depressa, sem nem ler o conteúdo, acusaram o tal pacote de assassino: “o pacote do Moro mata”, bradavam nas redes sociais. Mata mesmo? Ou pune mais severamente do que se faz hoje? O que é bem diferente de assassinar, de mutilar, de enterrar na lama, de incendiar, de cadeira elétrica, de forca. Sorte da bandidagem que o Sergio Moro não é radical.

Enfim, mesmo incorrendo no erro de dizer palavras insuficientes, decidi escrever esta crônica antes do feriadão. Não podemos perder de vista essas aflições; temos que expor alguns questionamentos. Afinal, sabemos que nesse nosso Brasilzão tão fraco de memória, o que não acaba em pizza, acaba em samba.

Foto: Moisés Silva/O Tempo/Estadão Conteúdo