Quando eu crescer

Quando eu crescerNão quero morrer jovem. Ou madura. Quero envelhecer, quero ter as marcas do tempo e da vida estampadas nos meus ossos, na minha pele, nos meus olhos. E quero, sobretudo, envelhecer bem, com saúde física e mental.

Vou procurar não ser uma velha esnobe, que diminui o outro. Por exemplo, não vou chamar homens de “menino” — não faço isso hoje em dia, e a velhice não dá a ninguém o direito de diminuir o outro pela diferença de posição, seja etária, seja social. Existe grande diferença entre um homem de 30 anos e uma senhora de 70, e essa diferença é desvantajosa para a velhinha, sejamos realistas. Truques linguísticos para impor alguma superioridade são, a meu ver, pura babaquice. Não quero e não vou ser uma velha babaca.

Também não serei dessas senhoras folgadas, que chegam em qualquer lugar e exigem atendimento não apenas preferencial, mas imediato. Vou pegar minha senha e aguardar a minha vez, como qualquer mortal. Se tiver atendimento preferencial, ótimo; se não, paciência que, aliás, é algo a que somos obrigados a exercitar ao longo da vida. E quando eu não aguentar mais ficar muito tempo em pé, espero ter ajuda, nem que seja de um aplicativo de celular.

Quero me tornar uma velha digna e não me permitirei ser usada pelos mais jovens na fila ou no estacionamento preferenciais, nem para aquele “empréstimo” do suado dinheirinho da minha futura (e cada vez mais longínqua) aposentadoria.

Na minha dignidade, não vou querer aparentar o que não sou, não vou me vestir ou me portar como uma mulher jovem. Um cabelo comprido, por exemplo, não combina nem um pouco com vincos no rosto. Ou no pescoço ou nas mãos. Também não terei inveja das mais jovens, dos corpos vigorosos, férteis. Não vou ficar reparando os glúteos de nenhuma moça, por exemplo. Sei que o corpo de qualquer pessoa longeva será atingido, implacavelmente, pela lei da gravidade. Enquanto viver, vou ser o que sou, ciente das minhas limitações, ciente de que o tempo é inexorável, e que não vou ficar pra semente. Isso tudo, para mim, também é dignidade.

Ah, serei uma senhorinha de fibra, com muita história pra contar, coisa que só teremos na velhice se vivermos nossa juventude intensamente.

E quero amar, continuar amando muito o meu marido, que também será velho. Assunto, podem ter certeza, não vai faltar! Mas se a vida nos pregar alguma peça, ou se o destino transcorrer de forma que nem imagino agora, quero amar do mesmo jeito. Pode até ser um homem mais jovem, já que uma velhinha esperta e muito digna, como pretendo ser, não permitirá parasitismo.

Não quero me tornar uma velha sozinha, ranzinza. Não farei isso comigo mesma. Quando não der mais conta de cozinhar, vou contratar uma cozinheira. Irá todos os domingos à minha casa, onde a família estará reunida, contando histórias — gosto da casa cheia e não pretendo mudar meu gosto. E espero ver as crianças das próximas gerações crescerem. E quem sabe, contribuir um pouquinho em dar um sentido de família, de amor e de comunhão àqueles que já nascerão com as mais variadas tecnologias nas mãos.

Pois é. Vendo os velhos de hoje (na academia, no mercado, no consultório médico, em eventos sociais etc.), fico imaginando como serei quando “crescer”. E, o mais importante, aprendo como não ser!