Vida de princesa

 

vida de princesaHá alguns dias, fui presenteada com três exemplares do London Review of Books. E tratei logo de ler a resenha de um livro que conta flashes da vida da finada princesa Margaret, irmã da rainha Elizabeth II. Posso dizer, sem medo de errar: vida de princesa é uma m…

A pobre da Margaret não pôde nem se casar com o grande amor de sua vida. O capitão Peter Townsend era divorciado, e a igreja e o parlamento se uniram para impedir a união, por questões “morais”. A rainha, a quem foi pedido consentimento para o enlace, obedeceu aos seus “superiores”: se a irmã se casasse com o pretendente, deveria renunciar aos direitos de sucessão. Então, Margá renunciou ao casamento e fez a vontade dos mandachuvas britânicos. Mas isso teve um preço. Para Margaret e para a realeza.

Margaret era uma mulher linda, com uma vida infeliz, um casamento de conveniência, sem nenhuma liga. Buscava conforto em festas e amantes, cuja longa lista inclui até mesmo Mick Jagger. Fumante inveterada — fumava mais de três maços por dia —, morreu aos 71 anos, depois de uma série de AVCs que a deixaram praticamente paralisada numa cadeira de rodas, um mês antes da mãe, que contava com 101 anos.

Agora, me respondam: que raios de ideia errada andam passando para as meninas com essa onda de não apenas chamá-las, mas também fantasiá-las de princesas? Por que, convenhamos, essas fantasias são uma tremenda farsa, e há meios mais criativos de estimular a imaginação da criançada. Aliás, a criançada nem imagina existência de uma princesa feríssima, a princesa Leia, uma verdadeira líder da série Star Wars. Não ostentava coroa, mas tinha um cabelo…

Outra mentira deslavada: não existe príncipe encantado. Nem Harry, nem William jamais ocupariam o posto de Prince Charming, assim como o pai deles jamais ocupou, embora a imprensa, à época, tenha tratado o casamento dele com Diana como um conto de fadas. Ah, a princesa Diana! Outra que se ferrou, mesmo coberta de joias da coroa e tudo. Que descanse em paz, coitada.

E as princesas Kate e Meghan? Embora não ostentem o título, são casadas com os príncipes e, portanto, têm lá as regalias de princesa. Mas toda regalia tem seu preço.  Não podem andar ao lado do marido, devem estar sempre a um passo atrás. Até as cores de esmalte são determinadas — imaginem o que mais não é!? Meghan teve até que renunciar à religião que professava e tornar-se anglicana. Se bobear, deve estar tomando aulas de inglês britânico, para disfarçar o sotaque americano. Mas, como diz uma amiga, vale tudo para ter acesso às joias da coroa Elizabeth, ops, britânica.

Kate não precisou mudar tanto sua vida, mas assumiu, resignada (sofre de hiperêmise gravídica), a sina das mulheres de herdeiros do trono: procriar. Num mundo como o de hoje, quase ninguém de classe social mais elevada tem mais de dois filhos, mas a princesa (ou duquesa) tratou ter logo três pimpolhos. E olha que ainda dá tempo de virem mais uns rebentos por aí.

Antigamente, a necessidade de uma grande prole para garantir a coroa era questão de soberania, assunto de estado. Como os índices de endogamia eram altíssimos — havia muitos casamentos entre parentes —, muitos bebês não chegavam a nascer, e alguns dos que nasciam não vingavam ou não passavam da infância, doentes. Além disso, havia as doenças infecciosas, mortais, numa época de pouca higiene, pouco remédio e quase nenhuma tecnologia.

Endogamia não é mais um problema, já que são poucas as monarquias ainda existentes, e os próprios herdeiros se tornaram donos de suas vidas ou, pelo menos, da vida amorosa. Poucas são as doenças que realmente representam uma ameaça aos herdeiros atuais: o avanço da medicina garante alta expectativa de vida. Será que o terrorismo tem se apresentado como potencial ameaça à vida dos herdeiros da tradicional monarquia britânica? Melhor se garantir com uma ninhada, bem à moda do século XIX.

Nos tempos atuais, uma simples crônica como esta pode ser facilmente enquadrada como feminista, embora meu objetivo seja apenas refletir sobre a realidade ou a falta dela. Não vivemos tempos inocentes, ao contrário, os tempos estão bem obscuros. A vida de qualquer mulher, inclusive das princesas de verdade, está longe de ser um conto de fadas.