Inferno

InfernoEm plena semana santa, o jornal italiano La Republica publicou uma suposta entrevista com o Papa Francisco, na qual teria dito que o inferno não existe e que as almas que não se arrependem — e, por consequência, não podem ser perdoadas —, simplesmente desaparecem. O detalhe é que o jornalista que fez a entrevista é um ateu de 93 anos, que nunca grava nada do que conversa com o líder católico.

Independente do que o Papa Francisco disse ou não, o inferno existe e disso não resta a menor dúvida. Quem mora nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, à mercê de traficantes e milicianos, está longe de viver no céu. Um presídio jamais será o paraíso, e eu poderia citar uma infinidade de exemplos que por si seriam o inferno na Terra.

Se essa suposta entrevista convence, muitos “pastores” de seitas duvidosas perderão seu ganha-pão e seu esquema para ficar rico facilmente. Ainda não descobri se sinto pena dos fieis dessas seitas. Talvez, como no caso da Maria, que relato a seguir.

Um belo dia, eis que Maria aparece com os dois pés infeccionados na unha do dedão. Foram tirar os encravados e criaram um problema que poderia ser gravíssimo e até resultar em amputação. Depois de muitas idas e vindas a médicos, ouvi a criatura dizer: “Pela fé, minha irmã, meu pé melhorou. Deus me disse para visitar uma amiga. Mesmo sem entender, fui. Ah, como Deus é maravilhoso! Minha amiga me disse pra passar cebola nas feridas. Fiz, estou curada, pela fé!”.  Detalhe: a moça estava tomando antibiótico havia alguns dias. Cada um acredita no que quiser, inclusive nas cebolas enviadas por Deus. Mas esse não foi o grande inferno da vida de Maria.

Outro dia, me contou que saiu fugida de São Paulo — não sei por que, as pessoas gostam de me contar suas histórias. Apanhou durante sete anos do marido, que estava interessado mesmo era em vender a casa que ela havia comprado antes do casamento. A coitada da Maria não podia chegar do trabalho quinze minutos atrasada que o homem a esperava na porta com uma vassoura no jeito. Agora, me respondam: o que é isso? Casamento? Paraíso? Mar de rosas? Lar? Isso é o inferno, minha gente, não tem sombra de dúvida.

Maria é uma pessoa que me desperta pena, admito. Cada história de sofrimento que me conta, diz: “olha, Vânia, não é pra você ter pena de mim, não. Deus faz tudo pra mim, não preciso de nada! Só estou contando porque preciso desabafar, sou muito imperfeita. Mesmo assim sou muito feliz com Deus. Ele é maravilhoso demais!”. Outro detalhe: nos conhecemos há cerca de um mês e ela desabafa comigo, que coisa.

O maravilhoso Deus da Maria não dá um fardo que não seja certo para a pessoa carregar. Na sua filosofia “Deus é maravilhoso demais: me dá o fardo e o carrega pra mim”. Eu, hein?

Maria crê no céu e no inferno, mas só depois da morte e do juízo final, quando se arrependerá dos pecados que cometeu (essa criatura não deve ter nem o pecado da cobiça, de tão inocente), ganhará o paraíso e a convivência com seu maravilhoso deus. Tomara! Depois de tantos infernos, merece vida boa.

Nessa sexta-feira santa, se relembra que o próprio filho de Deus, na fé cristã, passou pelo verdadeiro inferno, o calvário, a via crucis. A metáfora da cruz é muito boa: “cada um tem sua cruz para carregar”. E vejo que a Maria, coitada, tem um bocado de cruzes pra percorrer o calvário da vida: foi e voltou pelo menos umas três vezes, com muita disposição e um lindo e confiante sorriso nos lábios.

Maria tem razão: não posso ter pena dela. Afinal, ela parece feliz desse jeito.

Feliz Páscoa!