Não sei ser outra coisa

Não sei ser outra coisa  No Dia Internacional da Mulher ganhei uma flor e um alfajor. Os rapazes ficaram olhando o chefe distribuir flores, e depois os colegas da associação entregarem as guloseimas. Fiquei imaginando: e se eu tivesse nascido homem?

Na aparência, acho que seria peludo como o Tony Ramos. Do pescoço para baixo, porque certamente seria calvo, careca mesmo, herança familiar, sabem como é. Mas… e meu comportamento? Que tipo de homem eu seria? Parecido com o meu irmão? Ou com meu pai?

Fui incapaz de me imaginar como pessoa do sexo masculino. Aliás, não me imagino sendo diferente do que sou.

Nascemos bebês, meninos ou meninas, e vamos crescendo, aflorando a personalidade, amadurecendo, virando gente.  Nasci menina e me tornei mulher natural e biologicamente. Não sei ser outra coisa.

No entanto, algumas de minhas atitudes e gostos, muitas vezes, são tidos como mais parecidos aos de homens. Por exemplo, amo filmes de ficção científica e de cowboy. Se precisar capinar o quintal, pego na enxada sem o menor problema. E mato baratas e retiro cigarras e até morcegos de dentro de casa. Não fico esperando carregarem minha bagagem, acho que ninguém tem a obrigação de levar minha mala, mas aceito gentilezas de bom grado.

Não me considero exceção: muitas mulheres são autossuficientes e não querem saber de mimimi: uma perda de tempo ficar choramingando. A verdade é que, em geral, não somos ouvidas e, muitas vezes, somos completamente ignoradas. Sempre falam mais alto do que nós, e nossa voz fica sumida. Então, mais fácil e produtivo é arregaçarmos as mangas e irmos à luta, demonstrarmos do que somos capazes. Geralmente, se surpreendem conosco.

Há situações em que outras mulheres nos criam dificuldades ou impõem certos padrões que nada têm a ver com feminilidade. Uma roupa inadequada ao local de trabalho, por exemplo — falo de dress code —, pode passar uma mensagem totalmente errada aos homens locais. Competições sem sentido, geralmente por homem ou outra bobagem, além de tirar o foco do que importa, nos rotula com imagem fútil, ou burra, ou boba.

A verdade é que temos que aprender a lidar com o machismo, porque não são palestras, nem leis ou especiais de televisão que mudarão o comportamento masculino: são nossas atitudes, nosso trabalho diário de formiguinha, nossa forma de nos dar ao respeito, sem perder nosso jeito feminino, sem precisar falar alto. Ao ganharmos o respeito dos homens próximos, temos ali um nicho de influência, onde podemos incutir nossas ideias e fazê-los enxergar além do umbigo peludo. Isso inclui a educação dos filhos.

A célebre frase de Simone de Beauvoir — “Ninguém nasce mulher, se torna mulher” —, provavelmente, se referia ao fato de que temos que ser mulher pra caramba para encarar o mundo e vencer tantas adversidades. Uma menina se torna mulher quando perde o olhar inocente e tem que enfrentar batalhas que homem nenhum precisa. É o momento em que amadurece e se vê cercada de desafios, alguns intransponíveis. Nós, mulheres, estamos à prova o tempo inteiro. Sabemos disso.

Que possamos construir um futuro em que não precisemos lembrar aos homens que existimos, que temos tantas qualidades e somos tão capazes como qualquer um deles, sem abrir mão de nossas características.