Escravos do tempo

Escravos do tempo  Depois de uma semana muito difícil e que suscitou inúmeras reflexões, resolvo, meio de supetão, escrever sobre o tempo. Quem inventou de contar os minutos e a vida matematicamente?   Seria essa pessoa um vilão, um herói ou não passava de um burocrata da vida? Não importa muito, o fato é que nos tornou escravos.

Horas e minutos são preciosos. O socorro a um acidentado ou a um doente, por exemplo, se não ocorrer no tempo certo, pode trazer sérias consequências. Vivi algo assim na última semana e, caso não tivesse sido suficientemente rápida, poderia ver alguém que amo muito sofrer, ou até mesmo acontecer coisa pior, toc, toc, toc.

O tempo é capaz de determinar, inclusive, as conquistas profissionais. Um cargo de chefia, por exemplo, raramente vai para alguém muito jovem. E quando isso acontece, na maioria das vezes, nota-se o despreparo para aguentar certos trancos. Sem contar o quanto isso pode ser nocivo ao próprio jovem: chegará ao topo profissional rápido demais, e a queda certamente será dolorosa.

Feridas podem ser curadas pelo tempo, embora algumas deixem cicatrizes, marcas que se fazem lembradas, queiramos ou não. Esse tempo que é capaz de curar nossas mazelas é o mesmo que pode intensificar dores. Embora seja uma variável importante, não é a única nesse emaranhado de fatos, de gente, de sonhos e desejos com que convivemos e, muitas vezes, criamos.

O tempo soluciona quase todos os problemas. Muita gente mal resolvida só precisa de um tempinho — ou de um tempão, varia muito. Às vezes, além de tempo, ajuda profissional. Há quem leve anos para aceitar algumas situações e engolir ou cuspir algum sapo que ficou entalado. Eu mesma já fui vítima de gente mal resolvida, sem ter nada a ver com o babado; fui uma variável que chegou depois que os problemas estavam, aparentemente, solucionados. Nada como o tempo: depois de quase dez anos aguentando alguns desaforos injustamente (em situações sem rota de escape, dado o tipo de relacionamento), vi que a criatura se resolveu na vida e… virou outra pessoa. Uma pessoa até agradável, diga-se de passagem. Mas como gato escaldado tem medo de água fria, o melhor é permanecer com os dois pezinhos atrás. Sabem como é, não vale a pena perder tempo com gente que tende a ser mal resolvida e a culpar terceiros por problemas estritamente seus.

Falando em perda de tempo, não podemos nos esquecer de que há a turma dos que não gostam de perde-lo. Oh, preciosos minutos que não podem ser extraviados! Mas, afinal, o que seria perder tempo?

Num mundo onde tudo ocorre com uma rapidez incrível, quem não gosta de perder tempo não o gasta remoendo dores passadas. Passou, passado, mas não quer dizer que esteja esquecido. Segundo, sempre nos sentimos em falta com alguém: familiares, parentes, amigos e, principalmente, com a gente mesmo. As coisas vão acontecendo uma depois da outra e requerem nosso concurso, de forma que resolvemos urgências e deixamos algumas atividades para depois. E esse depois nem sempre chega.

Na maior parte das vezes, no entanto, a perda de tempo está associada a dinheiro. É como diz o dito popular “tempo é dinheiro”. Tenho cá pra mim que o principal ativo pessoal de qualquer um seja justamente o tempo.

Em vários casos, o tempo não consegue resolver nada. Pode até trazer à tona a personagem ansiedade. Ah, essa aí torna o nosso amigo ainda mais cruel.

O burocrata da vida que inventou o tempo nos fez escravos de nossas próprias vidas, de nossas próprias agendas. Ops, agenda é invenção derivada, feita para organizar o tempo e ditar como vamos viver, dia a dia. Resultado: vivemos escravizados, presos a um interminável ciclo vicioso.

Como sair desse ciclo? Sem resposta. Talvez a vida seja só isso mesmo, uma sequência de acontecimentos, em que nossa única obrigação seja executar os desmandos do tirano invisível e inexorável: o tempo.