Trabalho voluntário

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A professora Heley Abreu

— Não, não faço trabalho voluntário — foi a resposta de um conhecido meu quando, certa vez, lhe perguntaram se era professor. Resposta espirituosa, mas que expõe a realidade: professor ganha muito pouco para o trabalho duro que exerce.

Não me refiro aos professores das cátedras universitárias. Para esses, o ofício é bem mais fácil: o salário é muito melhor e não precisam encarar entre 20 e 40 horas semanais de sala de aula — às vezes mais — com crianças ou adolescentes. Os professores dos ensinos fundamental e médio são os grandes heróis anônimos do Brasil: lutam contra adversidades todos os dias.

Não é por acaso que ouvimos falar com certa frequência de estresse entre professores. O quadro geral se consolida em uma espécie de síndrome, chamada burnout, caracterizada por um mal-estar geral, que seria uma resposta do organismo ao estresse laboral crônico. No caso de muitos professores, o estresse laboral não se resume apenas à escola e à sala de aula: o entorno também interfere. Não há como ignorar os acontecimentos em uma favela, por exemplo. O medo ronda muitos professores dessas comunidades, o que certamente contribui para o burnout.

A profissão de professor está em baixa, e poucos cidadãos querem ser essa ponte do saber. Contudo, isso é um reflexo das últimas três décadas. Eu, por exemplo, queria ser professora quando criança. Fiz meus pais comprarem um quadro-negro, com giz colorido, apagador e tudo. E dava aulas para minhas (poucas) bonecas. Era assim que eu estudava: imitava minhas professoras. Quando entrei na faculdade, o quadro da educação brasileira já era desanimador. Decidi por um curso que me daria habilitação para lecionar, mas também diversas outras possibilidades de trabalho. Somados todos os meses a que me dediquei profissionalmente ao ensino, não devo ter três anos de presença em sala de aula. A experiência foi muito enriquecedora, claro, assim como qualquer trabalho voluntário, ui!

Tenho cá pra mim que a desvalorização salarial e as condições precárias de trabalho — deterioração dos espaços físicos das escolas, falta de material etc. —, foram cruciais para a mudança de status dos professores. Se o Estado não valoriza a profissão, por que os cidadãos o fariam?  Jeito horrível de pensar, mas parece que muita gente interpretou dessa forma o ataque deliberado de governantes à educação.

Quando foi que os pais perderam o respeito pelo professor? Se alunos desrespeitam o mestre, é porque aprenderam em algum lugar, muito provavelmente em casa. Há uma charge conhecida que compara o comportamento dos pais de antigamente ao dos atuais. Antes, se o moleque tirava nota baixa na escola, os pais e a professora o repreendiam. Hoje, se a nota está baixa a culpa é do professor, e alguns chegam a sofrer ameaças dos pais que, vaidosos, acham seus pimpolhos as criaturas mais inteligentes do mundo.

Uma coisa que vejo com muita desconfiança são teorias de ensino-aprendizagem. Algumas delas rebaixam o professor ao mesmo patamar dos alunos. Por exemplo, há pouco tempo, ouvi de uma professora aposentada que sempre dizia a seus alunos que estava ali para facilitar a aprendizagem, que também era aprendiz, assim como eles. Meu coração se entristeceu ao ouvir esse testemunho. O professor, embora seja um aprendiz na vida como qualquer pessoa, em sala de aula é o detentor do conhecimento. É a autoridade naquele assunto que leciona. Não me parece uma boa estratégia se igualar aos alunos, que estão ali para aprender justamente porque não sabem. Se o professor se equipara, passa o entendimento de ser desnecessário e, a depender da classe, perde, naquele momento, toda sua autoridade. O professor ensina porque sabe mais, simples assim.

Apesar de toda essa política de desvalorização dos professores, eles ainda são um dos pilares da sociedade. Um país não tem êxito sem professores: quem nos ensinaria a ler, escrever, fazer contas? Quem nos contaria a História de nosso país, quem nos apresentaria as paisagens brasileiras, ou os melhores livros da nossa Literatura? Quem nos guiaria para que nos tornássemos profissionais e cidadãos contribuintes com força de trabalho? Quem geraria conhecimento nas universidades, formando novos professores?

E quem daria a vida por seus pupilos? Fica aqui nossa singela homenagem à heroína, Profa. Heley de Abreu Silva Batista, que na semana passada deixou-se ser assassinada e evitou uma tragédia pior, salvando diversas crianças naquele incêndio criminoso em Janaúba (MG). Morreu ensinando que o professor de verdade não mede esforços para salvar o futuro do Brasil, mesmo com toda a desvalorização e condições precárias de trabalho.