No país da avacalhação

 

O trabalho de desconstruir e acabar de vez com a educação no Brasil foi muito bem feito nas últimas décadas. Uma guia de turismo em Fernando de Noronha, por exemplo, enquanto nos contava a história da ilha, confundiu o período colonial com o imperial, se embananou mesmo. O nome do passeio era “Trilha Histórica” e a tal guia exibia aquele ar professoral, como se fosse uma historiadora.

Pois esta situação é apenas um ínfimo reflexo da aplicação de teorias ou metodologias para uma educação “libertadora”, aliada a uma completa deterioração de valores pela sociedade.

Educação libertadora, a meu ver, é aquela que provê conhecimento e capacidade de pensamento crítico. Este, por sua vez, só é possível se o indivíduo teve uma educação básica sólida, capaz de estimular a interpretação, bem como correlações entre assuntos, possibilitando a formulação de hipóteses, conclusões etc.

Mas o que temos visto?

Minha geração ainda pôde se beneficiar de um sistema educacional em transição, no qual se mantinha importantes tradições e métodos enquanto se começava a falar na inserção de novas metodologias de ensino. De lá para cá, somos testemunhas do desmonte da educação no Brasil, e é neste contexto que se insere a chocante notícia/ denúncia de uma professora de Santa Catarina agredida por um aluno de 15 anos, esta semana. Ela própria foi às redes sociais relatar o ocorrido, num apelo à sociedade e, especialmente às famílias, sobre a situação dos professores.

Lembro bem que o sistema de educação das escolas da prefeitura de Belo Horizonte sofreu uma mudança quando eu ainda era estudante de biologia, com o objetivo de se aplicar uma dessas metodologias de ensino inovadoras. Entre outras “inovações”, que me recorde, uma se destacou: não importava qual o nível de rendimento de aprendizagem do aluno, ele passaria para o próximo ciclo — a repetência foi eliminada.

Na teoria é tudo lindo, perfeito. Possibilitar aos estudantes construírem seu conhecimento com base no mundo que os cerca, respeitando seu tempo, parece um sonho.

Parece, e não passa disso. Pelo menos no Brasil, onde tudo é desvirtuado e, em algum momento, vira avacalhação. No duro cotidiano das salas de aula, a aplicação de metodologias de ensino mais modernas foi um fiasco. Podendo aprender como quisesse — e se quisesse —, eliminada a possibilidade de “tomar bomba” e tendo o professor apenas como um “agente”, um “facilitador” do aprendizado, e não como uma autoridade detentora do conhecimento, os alunos passaram a se sentir os donos do pedaço. Rapidamente, começamos a ouvir relatos de professores que recebiam ameaças, e qualquer recomendação ou ordem sua era solenemente desobedecida, tendo como argumento: “Você não poderá me reprovar mesmo”.

Aliado a toda essa facilidade, testemunhamos o aumento da violência nas cidades, notadamente nas periferias. As ameaças a professores passaram à ação. Um levantamento feito pela OCDE em 2013 coloca o Brasil no topo do ranking da violência contra professores, entre 34 países pesquisados. Em São Paulo, só no primeiro semestre deste ano, foram registrados 548 boletins de ocorrência para o delito “lesão corporal”, dentro de escolas do ensino fundamental e médio. Dado estarrecedor! Aliás, uma busca na internet com o termo “professores agredidos” retorna 486.000 resultados.

A situação é desesperadora. O que ocorre nas escolas, além de ser consequência de políticas e da aplicação de metodologias que desvalorizam o professor, é também um reflexo da sociedade, que está doente e perdeu quase todo o bom senso. Os pais deixaram de reconhecer o professor como autoridade, perderam o respeito e passaram essa lição aos filhos, que aprenderam com louvor. Como tudo ficou diferente!

Certa vez, quando criança, fiz uma malcriação na escola e minha mãe foi chamada pela professora e pela supervisora. Pouparei os leitores dos detalhes, mas é importante registrar que em nenhum momento minha mãe colocou em dúvida o relato da mestra e, claro, fui severamente repreendida. Mas o pior castigo veio no dia seguinte: morrendo de vergonha de encarar a professora, eu não queria ir à escola de jeito nenhum. Mamãe não quis nem saber, me obrigou a ir — uma lição muito bem dada de “assuma seus erros e conviva com eles e as consequências”. Nunca mais cometi o delito escolar.

Hoje, ao contrário, o que vemos são pais que não aceitam a autoridade do professor, tanto na rede pública quanto na particular.  Muitos abdicam da tarefa de educar os filhos e deixam tudo para a escola. E se a zona de conforto de suas crias sofre o mínimo abalo, se sentem ofendidíssimos. Os valores de minha mãe, comuns à época, hoje parecem ser raridade.

O Brasil necessita mesmo é de uma reforma da sociedade como um todo. Pais e professores precisam voltar a ser parceiros na educação das crianças e adolescentes, que devem enxergá-los como autoridades, não como agentes, facilitadores, amigos ou qualquer outra coisa.

Além de utilizar metodologias de ensino mais eficientes nas escolas, é preciso acabar com a avacalhação nos mais íntimos nichos sociais e tentar resgatar valores simples, mas fundamentais para a construção de uma sociedade mais igualitária e de um país verdadeiramente desenvolvido.

Bom fim de semana procês!

Foto: Mural da professora no Facebook.