A xenofobia em um mundo em crise

 

fome na VenezuelaO mundo que conheci na minha meninice se transformou muito rápido, e tentamos acompanhar as constantes mudanças. O fenômeno da globalização, que parecia ser algo bom, na verdade, não passa de padronização — de gostos, de usos e costumes, e até de pensamento. Porque de global o mundo não tem nada, haja vista os acontecimentos de xenofobia que vemos repetidamente no noticiário.

O mundo anda tão estranho que, na Europa, estão mandando os turistas de volta pra casa. Turista, aquele que deixa dinheiro por onde passa. Nos Estados Unidos, uma mulher foi banida da rede de supermercados Walmart porque ofendeu pesadamente uma imigrante mexicana, em uma das lojas no Arkansas — uma imigrante trabalhadora, que contribui com sua força de trabalho para a superdesenvolvida economia americana.

No Brasil, podemos citar o episódio horrível noticiado na semana passada, envolvendo um refugiado sírio: um ambulante, vendendo as mais legítimas esfirras na rua, foi agredido por outro ambulante, brasileiro, que ainda cantou “com muito orgulho, com muito amor”. Eu, de cá, com muita vergonha, um sentimento de horror! Foi chocante. Dá muita pena ver o homem ser gratuitamente ofendido. Quando foi que se perdeu a compaixão? Quando deixamos de ter empatia por quem sofre, por quem precisa de um novo lar, de uma nova pátria?

Não podemos perder a compaixão por pessoas que precisaram deixar seus lares e famílias, amigos, sua vida, seus costumes, sua cultura, para fugir da guerra, das perseguições religiosas e de etnia, das ditaduras. Não deve ser fácil decidir, e talvez tão ou mais difícil seja se adaptar a uma realidade completamente diferente. Mas a vida deve seguir seu curso, e a oportunidade de viver em paz é buscada avidamente por quem dela necessita.

Politicamente, o Brasil ainda sustenta o discurso de ser receptivo a estrangeiros, sejam imigrantes ou refugiados. Mas na prática, no dia a dia com o povão, sabemos: o brasileiro não é nada cordial, como bem descreveu Tatiana Rezende em sua crônica do sábado passado. Somos um povo grosso e sem educação.

É pegando carona na fama de gente-boa que muitos optam por recomeçar suas vidas em terra brasilis. No ano passado, o número de refugiados aumentou 12%, segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Hoje, vivem no país quase 10 mil refugiados, de 82 nacionalidades diferentes.

Em 2016, mais de 3 mil venezuelanos solicitaram refúgio no Brasil. E podemos esperar mais gente até o final deste ano, porque, na Venezuela, a ditadura bolivariana se consolida a cada dia, com mais episódios de violência e repressão, além de perseguição política. O que vamos fazer? Bater a porta na cara do vizinho necessitado?

Definitivamente, não. Se a crise está ruim aqui, lá está muito pior, como tem sido amplamente noticiado. Além de crise na economia, os venezuelanos têm a liberdade cerceada. Temos que abrir nossas portas e tentar ajudar de alguma forma, dividindo o pouco que temos, mas oferecendo com fartura o que temos de sobra: liberdade.

O Ministério da Justiça está promovendo ações de desburocratização para auxiliar os venezuelanos. Evidentemente, as normas são generalizadas, mas não temos dúvida de onde veio a inspiração.

A falta de compaixão que observamos parece ter encontrado um líder. Adivinhem? Jair Bolsonaro, o presidenciável, que já declarou que considera os refugiados “a escória do mundo”. Já imaginaram Bolsonaro presidente?

Apesar desses exemplos que nos fazem perder a fé, e de toda a grosseria de nossos conterrâneos, apesar do mundo em crise de humanidade, ainda há luz no fim do túnel. Há histórias lindas de brasileiros que ajudam os refugiados que chegam, devolvendo-lhes a dignidade das mais diversas formas. Apesar de tudo, parece que nosso país ainda recebe bem essas pessoas, como podemos ver num videoclipe de agradecimento feito em 2015 por refugiados que vivem em São Paulo. Emocionante. Acreditem, essas pessoas se sentem seguras aqui, no nosso país.

Que jamais percamos a compaixão e a empatia pelos necessitados do mundo. Que saibamos receber com alegria aqueles que precisam de nós, que vieram atrás de segurança e de liberdade. Eles não vêm apenas para receber, também chegam aqui querendo contribuir com nosso país, por meio de sua força de trabalho. Estamos em crise, sim, mas estou certa de que temos muita gente para ajudar a superá-la.

Bom fim de semana procês!

Foto AFP/ Getty Images