Apesar da penúria, toda pompa e circunstância

Por volta de 17 horas de quinta-feira, 02 de fevereiro, retumbaram pela Esplanada dos Ministérios os tradicionais 21 tiros de canhão, para indicar a abertura do ano legislativo. A cerimônia é pomposa, com direito a tapete vermelho e honras militares e à subida da rampa do Congresso Nacional, espetáculo protagonizado pelos presidentes recém-eleitos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

É tão estranho toda essa pompa e circunstância ante o estado de penúria em que o Brasil se encontra: desemprego crescente; reformas urgentes que vão impactar a vida de todos os cidadãos brasileiros; a podridão da política vindo à tona; os presídios em pé de guerra. Francamente, dá vontade de sair correndo, mas Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira estão entrando de cabeça. Disputaram acirradamente seus postos para liderar o processo democrático que envolve as reformas propostas pelo Planalto. Por que será?

Interesses importantes estão em pauta. Pena que a maioria deles, senão todos, seja particular. Eunício, por exemplo, foi citado na Lava-Jato — com a alcunha Índio — e, por enquanto, não é réu em nenhuma ação. Também é dono de um grupo de empresas que abocanha diversas licitações pelo país afora. Os requisitos estão todos de acordo com o exigido, visto que ele não faz parte da administração de nenhuma delas, mas muito provavelmente não deixou de dar importância às suas empresas e faz questão de estar em lugar estratégico, no mais amplo sentido.

O discurso de posse do novo presidente do Senado foi “bunito”: fez aquela velha analogia do barco e seu capitão, abusou de jargões e de palavras obrigatórias, como minorias, diálogo, união. A peça pode muito bem ter sido escrita com a ajuda do gerador de lero-lero — vocês sabem, tem na internet. Também falou em resgatar a confiança da população na instituição. Esta deve ser sua missão impossível. Afinal, qualquer cidadão minimamente informado não confia nesse senhor, pelo simples fato de ele figurar naquela famosa planilha da Odebrecht. Dá para confiar numa instituição que ele chefia?

Já Rodrigo Maia, carinhosamente chamado de “Botafogo” pela Odebrecht, é alvo de investigação sigilosa no âmbito da Lava-Jato. O que já veio à tona da delação da empreiteira deixa claro que ele é tão podre quanto as demais maçãs de sua caixa. Sua plataforma na presidência da Câmara está centrada nas reformas propostas pelo Poder Executivo. O discurso foi um pouco mais original, tentando passar algum recado de otimismo ao povo, especialmente quando mencionou que “não podemos ter um regimento que faça com que o cidadão na televisão ache que estamos em um picadeiro”.

Se analisarmos com frieza, veremos que quem está no picadeiro somos nós, os palhaços de sempre. Chamar o Congresso Nacional de circo, no atual momento, ofende a arte circense e os profissionais que atuam no espetáculo. Aliás, o Congresso não nos vê como um respeitável público, vamos combinar. Seria desejável e preferível que fosse como um circo: seria tudo muito bem organizado, bonito de ver, merecedor de aplausos. Apesar das inúmeras acrobacias que o legislativo apronta, infelizmente, nosso parlamento está mais para presídio do que para qualquer outra coisa.

No frigir dos ovos, os mandatários do Poder Executivo devem estar bem satisfeitos: afinal, seus favoritos foram eleitos sem qualquer dificuldade. Nesse momento em que o governo precisa aprovar tantas reformas, é crucial ter o apoio da maioria das duas casas, expresso pelo número de votos em Eunício de Oliveira e em Rodrigo Maia.

Não custa lembrar que ambos são os sucessores para ocupar a Presidência da República, em caso de ausência ou vacância. Se o STF deliberar que um réu não pode ocupar cargos na linha sucessória — que é o que esperamos do egrégio Tribunal, por ser o lógico, o mais certo e até prudente —, e se os atuais presidentes das casas legislativas se tornarem réus, que parece ser o mais provável, aí, sim, estaremos bem demais, para não dizer que já estamos na…

Bom fim de semana procês!