Rebelião nos presídios: planos, leis e criminalidade

Como qualquer governo brasileiro que se preze, este também está atrasado, e “age” apenas depois da tragédia anunciada. O “acidente pavoroso” (para usar as palavras do presidente) teve que acontecer para que se lançasse o Plano Nacional de Segurança Pública. Detalhe: foi lançado, mas ainda não está concluído.

Em anúncio amplamente divulgado, o Ministro da Justiça adiantou que o dito plano terá 3 eixos: redução de homicídios e da violência contra a mulher; racionalização do sistema penitenciário; e mais rigor contra crimes transnacionais. Alguém ouviu alguma coisa sobre reforma do código penal? Naturalmente, isso demandaria negociação com o Parlamento, o que o governo deveria se esforçar para viabilizar.

Da forma como está relatado, o tal plano até parece razoável, mas não é possível fazer uma análise adequada, visto que o documento simplesmente não foi disponibilizado.  Mesmo assim, alguns aspectos abordados durante o anúncio merecem comentários.

A violência contra a mulher não pode ser ignorada. A existência de delegacias da mulher, com policiais devidamente treinados, é um ganho, mas ainda não é suficiente. A chacina em Campinas na noite de réveillon é uma amostra da terrível realidade. A ex-mulher do assassino já o havia denunciado cinco vezes, por ameaça, injúria, violência doméstica e até abuso contra o filho. Ao que parece, o elemento nunca foi preso. Mas se, por qualquer motivo, deixasse de pagar a pensão alimentícia do menino, certamente estaria no xadrez. Percebem a incoerência entre os dois tipos de crime? Agressões praticamente não geram punição, mas deixar de pagar pensão dá cadeia. Portanto, o que falta é uma legislação mais severa, capaz de inibir a violência doméstica, pois é o que desencadeia as ocorrências mais graves contra mulheres.

O segundo eixo é a racionalização do sistema penitenciário, integrando os sistemas municipais, estaduais e federal. Há quanto tempo ouvimos esse blablablá? Pode até ser que ajude, mas não parece suficiente. Mais uma vez, não vejo menção a ações efetivas de prevenção à criminalidade. O governo menciona separar os presos condenados por homicídio e outros crimes hediondos daqueles condenados por crimes mais leves. É um começo, mas em nenhum momento ouvi falar em recuperar presos por meio do trabalho e do estudo. As penitenciárias poderiam ter escolas, cursos de marcenaria, pintura, artes em geral, cursos de idiomas, enfim, deveria ser ofertado àqueles que erraram com a sociedade a possibilidade de ver a vida por outro ângulo que não o do crime. Gastar-se-ia mais com os presos? Sim, mas teríamos pessoas renovadas retornando à sociedade, preparadas para contribuir com a força de seu trabalho. A dificuldade é que os governos não conseguem implementar programas assim para crianças e jovens aprendizes — o que, vamos combinar, poderia reduzir bastante a criminalidade — e muito menos com criminosos condenados.

O terceiro eixo pretende reforçar a vigia fronteiriça, com vistas a impedir o tráfico de armas e drogas. Não é o momento de se discutir esse assunto, mas a verdade é que na Indonésia, por exemplo, traficantes de drogas não se criam. Nem a súplica da então presidente brasileira fez o governo indonésio recuar da pena de morte para os brasileiros que tentaram burlar a vigilância fronteiriça naquele país, onde a legislação é rígida e rigorosamente cumprida.

Um ótimo primeiro passo para que o sistema prisional do nosso país funcione seria moralizar o Judiciário. Verificar os casos de juízes que vendem sentenças e puni-los exemplarmente — com perda do cargo e xadrez, no mínimo — seria uma medida simples, fácil e sem perda financeira. Também é fundamental uma varredura nas condenações, para devolver a liberdade àqueles que já cumpriram suas penas e não estão sob a proteção do crime organizado (que tem excelentes advogados, solta seus membros rapidamente e encabeça as rebeliões e planos de fuga).

O código penal precisa ser urgentemente revisto, e as condescendências com criminosos devem ser eliminadas. Os famosos “saidões” deram muito certo — para os meliantes, claro. Uma alta percentagem dos presos beneficiados volta aos presídios. Isso, para não mencionar a falta de lógica (ou a lógica macabra) de, por exemplo, beneficiar uma condenada como Suzane von Richthofen com saidões de dia das mães e dos pais.

Enfim, parece que não é um plano como o anunciado que vai modificar o padrão de criminalidade no Brasil. O problema é amplo e conjuntural, e vai desde a falta de um sistema educacional capaz de formar cidadãos responsáveis até uma completa reforma do código penal. Obviamente, os resultados dessas ações preventivas e mais eficientes serão a longo prazo.

O plano anunciado pelo governo, possivelmente, está fadado a cair no esquecimento, pela simples razão de não trazer qualquer inovação que iniba, de fato, a criminalidade.

Bom fim de semana procês.