Receita para destruir um país

O primeiro passo da receita é o mais difícil, porque implica em vencer eleições presidenciais dentro de um sistema político contaminado; mas funciona, basta seguir as regras e jogar o jogo com inteligência, propagando mentiras e criando palavras de ordem. Vencida essa etapa, é fundamental começar aparelhando o Estado e todos os poderes, especialmente o judiciário. Será essencial no futuro.

A segunda coisa a fazer é implantar políticas populistas disfarçadas de políticas públicas sociais, mascarando os dados de distribuição de renda para dizer que o governo está melhorando a vida do povo. Nessa etapa, é fundamental inserir insistentemente a ideia de que o imperialismo dos Estados Unidos — outro país não serve — é o único responsável pelos problemas. É essencial organizar “movimentos sociais” e pagá-los bem, a fim de que suas manifestações sejam sempre favoráveis ao governo e contrárias ao imperialismo americano. Enquanto isso, garanta que o povo se farte de pão e circo; assim, sem perceber, dará ao governo a maioria no parlamento.

Nesse ponto, é chegada a hora de promover uma reforma constitucional, a fim de legitimar um sistema desenhado para garantir poder quase ilimitado e a permanência perpétua.

Na etapa seguinte, quando não der mais para fingir que está tudo bem, porque o número de pobres, desempregados e moradores de rua estará aumentando, deve-se colocar essa gente contra a classe média, propagando que ela é a culpada de todas as mazelas. A inesquecível fala da douta Marilena Chauí, que arfante gritava “eu odeio a classe média”, foi uma espécie de preparação para essa etapa no Brasil. Nessa hora, terá início a violência, com aumento exponencial de furtos, sequestros e homicídios.

Quando começarem a faltar itens básicos à sobrevivência (comida, água, energia, papel higiênico), deve ser propagado que a oposição — comprada pelos EUA, of course — é a responsável por tudo. Será o argumento ideal para abusar das prisões políticas com o objetivo de defender a soberania nacional. Os presos não terão um julgamento adequado e sofrerão toda a sorte de métodos desmoralizantes e torturas. A violência na sociedade estará incontrolável, pois o trabalho da polícia será dirigido para conter protestos populares e prender manifestantes. Não se esqueça de se colocar como um intermediário entre deus (um líder já morto) e o povo.

Se houver um tropeço no método de burlar as eleições, e a oposição ficar com a maioria no parlamento, lance mão do poder judiciário aparelhado. Ele vai barrar simplesmente tudo o que vier desse legislativo escolhido pelo povo, imporá dificuldades e corroborará a totalidade das medidas que o executivo “propuser”. A constituição será obedecida e a democracia sempre aclamada. A reforma constitucional foi para isso.

Além do judiciário, lance mão dos militares. O apoio deles será fundamental quando o poder legislativo decidir iniciar um processo político para afastar o presidente da república. Com os milicos do seu lado, ameace fechar o parlamento.

Finalmente, quando o caos reinar, tire dinheiro de circulação e o país se transfigurará no próprio inferno. Feche as fronteiras, impeça até mesmo os estrangeiros de retornarem a seus países e acuse os vizinhos pelo fracasso da política econômica. Enquanto isso, curta a tranquilidade dos palácios, protegido da violência, com comida, água, energia e tudo do bom e do melhor à vontade.

A receita acima é um resumo simplificado do que ocorreu na Venezuela desde que Hugo Chávez assumiu como presidente. Ele morreu, mas deixou um herdeiro, mais do que isso, um sumo sacerdote da religião que Chávez criou no país caribenho. O que vemos hoje é muito triste: é o sofrimento do povo, a fome, a miséria, a perda da dignidade.

O depoimento da brasileira que só queria conhecer o Monte Roraima é quase uma história de cinema. E a frase final é definitiva: “Nunca mais volto para lá”. Que lástima! A Venezuela é um país belíssimo, de paisagens deslumbrantes; tem Amazônia, tem Caribe, tem gente bonita, comida boa, cultura interessante, envolvente.

O serviço de Nicolás Maduro e de seu antecessor foi bem conduzido, pois existe igualdade social: todo mundo é pobre, ou muito pobre, ou miserável, exceto, é claro, a elite chavista, os partidários desse desmantelamento. Outro sucesso da dupla são os posicionamentos estranhos àquilo que conhecemos como democracia, deixando o país cada vez mais isolado do mundo.

Impossível não pensar que algumas das etapas dessa receita foram executadas com relativo êxito no Brasil.  Não fosse nossa constituição, nosso sistema democrático e instituições —  ainda que imperfeitos —, não fosse nosso parlamento tão suscetível à voz das ruas, estaríamos a toda no processo de venezuelização. Escapamos por pouco da tragédia bolivariana, mas consertar o Brasil não é tarefa de poucos meses e vai requerer muitos sacrifícios. Como sempre, a sociedade é quem paga o pato. Aqui e na Venezuela.

Bom fim de semana procês!

 

Foto Ueslei Marcelino/ Reuters