Negando o óbvio

Nestes tempos nefastos em que vivemos, quando nem conseguimos acompanhar direito todas as denúncias, prisões, liminares, apreensões, prisões coercitivas e mais outros tantos procedimentos judiciais, verificamos um fenômeno que está a cada dia mais comum: a negação do óbvio.

O dicionário Priberam define óbvio, entre outros, como “claro, evidente, manifesto, patente, visível; axiomático, incontestável, indiscutível, irrefutável; previsível”. Assim, negar o óbvio nada mais é do que repudiar aquilo que seja incontestável. É o que podemos depreender de uma das frases mais difundidas na imprensa durante a semana, proferida pelo ex-deputado Paulo Ferreira (PT-RS): “Negar informalidades nos processos eleitorais brasileiros de todos os partidos é negar o óbvio”.

Ao prestar depoimento ao juiz Sergio Moro, Ferreira deixa claro que não contabilizar recursos faz parte da cultura política nacional.  Este senhor foi um dos tesoureiros do PT e, portanto, fala com propriedade. Aliás, convenhamos, um dos ossos do ofício deste cargo de tesoureiro petista é “captar recursos”. A afirmativa de Paulo Ferreira, no entanto, joga um pouco mais de sujeira no ventilador, pois deixa claro que essa é uma atribuição de qualquer tesoureiro de qualquer partido político.

Parafraseando o finado poeta Ferreira Gullar, fico me perguntando por que pessoas indiscutivelmente inteligentes negam o óbvio. Por exemplo, há quem negue que queimar ônibus e depredar o patrimônio público seja crime. Para tais pessoas, a violência, a brutalidade e a baderna são apenas formas de protesto contra o corrompido sistema político.

Negam que a situação de crise política e econômica em que estamos mergulhados seja resultado de 13 anos de políticas desastradas, que visavam, sobretudo, ao interesse do PT de se manter no poder. Para quem nega isso, a culpa é do Temer, da Rede Globo, dos Estados Unidos. Não vamos aqui aliviar a barra do atual presidente — por sinal, eleito na chapa da Dilma —, mas todo mundo sabe que ela governava sozinha ou, no máximo, com seu “gabinete de notáveis”, do qual Michel Temer não fazia parte. Sua parcela de culpa diminui um pouco.

Renan Calheiros nega todos os crimes que cometeu, incluindo o peculato, infração pela qual é réu no STF. Negou-se também a deixar a presidência do Senado, em óbvia desobediência à liminar do Ministro Marco Aurélio Melo.

Jaques Wagner não vê impropriedade em receber “lembranças” da Odebrecht, afinal, ele nem usou os relógios. Lula nega ter surrupiado os presentes recebidos enquanto presidia o Brasil, ainda que o aluguel de um senhor container com tais mimos seja pago por uma empreiteira “amiga”.

Para terminar, Geddel Vieira Lima achou normal pedir insistentemente a Marcelo Calero para liberar uma obra de seu interesse embargada pelo IPHAN, por considerar esse tipo de conversa normal. Romero Jucá nega ter recebido recursos de Caixa 2 do PMDB. A lista é imensa, mas vou ficar apenas com estes exemplos.

Enfim, vivemos num meio em que cada vez mais nega-se a realidade e as evidências — nega-se até mesmo o conteúdo de gravações.

Ainda não dá para saber aonde vamos chegar, mas agora que começamos, temos que ir até o fim. Chega de negar o óbvio!

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/VEJA (2013)