Patriótico cinismo

Perplexos! É assim que nos encontramos, ante os fatos que ocorreram no prazo de apenas sete dias. Primeiro, o Senado negou o regime de urgência para o desfigurado pacote anticorrupção, contrariando a recomendação do presidente da casa. Na sequência, esse mesmo presidente foi declarado réu pelo STF, acusado do crime de peculato — duas derrotas em menos de 24 horas. Dias depois, levou uma liminar para se afastar da presidência do Senado e, ato contínuo, praticamente escorraçou o oficial de justiça, se negou a receber a intimação e instou a Mesa Diretora do Senado a defendê-lo. Finalmente, negociou sua permanência no cargo, com forte envolvimento de seu vice, o senador petista Jorge Viana.

A negociação foi um sucesso, e a Suprema Corte decidiu que Renan Calheiros continua no comando da casa legislativa, mas não pode fazer parte da sucessão à Presidência da República. O presidente do Senado ficou tão feliz que declarou que “decisão judicial do STF se cumpre”. É verdade. Principalmente, neste caso, logo depois de uma “decisão patriótica”.

Após a perplexidade, vem aquela desolação. O cinismo salta à vista nas frases ditas com a segurança de quem sabe como agir para que tudo funcione a seu modo, para que seus interesses sejam atendidos. A “patriótica decisão” foi política, e ainda não entendemos o porquê, já que o próprio Jorge Viana afirmou que não mudaria a pauta e atuaria com espírito institucional e republicano, caso assumisse a presidência do Senado.

Esse aí, coitado, ficou entre a cruz e a caldeirinha: entre os seus companheiros do PT e o Renan (ou vice-versa). Não sabemos o que o levou a assinar a nota da Mesa Diretora do Senado, que decidiu não cumprir a liminar expedida pelo Ministro Marco Aurélio. Não tenho capacidade para compreender esses conchavos políticos (graças a Deus!). De qualquer forma, foi uma surpresa para todos, especialmente para a bancada petista.

Ao decidir manter um réu na presidência do Senado Federal, o STF se apequenou e, por que não dizer, se acovardou. Mostrou ao Brasil inteiro quem é que manda, de fato. A Justiça foi feita, não conforme o bom senso que se esperava, mas de acordo com a conveniência política do grupo que ora detém o poder. O bom senso a que me refiro é de uma incontestável obviedade: como pode um suspeito de cometer ilegalidades que envolvem a prática política presidir qualquer instituição pública? Ah, que saudade dos tempos do Itamar Franco que, tendo a mínima suspeita de que seu Ministro da Casa Civil cometera ilícito, o afastou do cargo sem titubear…

Nossa atualidade é bem diferente: temos hoje um quadro em que todos os poderes se encontram, no mínimo, manchados. Para o Judiciário, em todo caso, vale a sabedoria popular, que nos ensina que “de cabeça de juiz e de bunda de neném ninguém sabe o que vem” — são mesmo imprevisíveis, e o dito foi corroborado outra vez. A cada dia, nos certificamos de que o Legislativo serve mais a interesses outros que não o do povo que representa: deputados e senadores legislam em causa própria, zombam da nossa cara. O Executivo pena nas mãos desse Legislativo, porque depende dele para governar, e dá-lhe cargos de confiança, dá-lhe privilégios.

O mandato da atual presidência do Senado se esgota no início de 2017. No entanto, mesmo sem este cargo, Renan Calheiros continuará dando as cartas, imbuído daquele sentimento de patriótico cinismo que lhe é peculiar. Alguém duvida?

Bom fim de semana procês.