Gênesis

Brasília- DF 15-06-2016 Presidente interino, Michel Temer, durante reunião com líderes. Foto Lula Marques/Agência PT

Foto Lula Marques/Agência PT

Certa vez, muito antes de ser consagrado cardeal, D. Serafim Fernandes de Araújo, então Arcebispo de Belo Horizonte, em visita ao nosso bairro, andou no carro do meu pai, que não era um carrão, mas era melhor que o do padre. D. Serafim, brincando ali com a gente com simplicidade e simpatia nos contou aquela anedota que todos conhecem, quando o Anjo Gabriel questionou Deus pela excepcionalidade do Brasil, cuja natureza é perfeita, deslumbrante, e ainda sem os fenômenos catastróficos presentes nos outros países. Ao que Deus respondeu, com toda a sua onipotência, sapiência e sacanagem (esta é por minha conta):

— Espera só até você ver os políticos que eu vou pôr lá.

Afinal, que pecado capital cometemos para merecermos essas figuras que governam nossas vidas, nosso presente e nosso futuro? Será que o paraíso era aqui e essa é a herança que recebemos de Adão e Eva? É certo que boa parte, senão todos os problemas de nosso Brasil têm sua gênese em uma estrutura de poder, na qual as decisões políticas são tomadas por meia dúzia de pessoas, quase sempre sem interesse no bem comum.

Essa “mania” de confundir o público com o privado, ou melhor dizendo, de se apropriar do público na esfera privada, pelo que conta a nossa história, sempre ocorreu, salvo honrosas exceções. A impessoalidade no trato da coisa pública é palavrinha bonita escrita na nossa legislação só para inglês ver, não existe na realidade. O episódio da demissão do Ministro da Cultura, Marcelo Calero, é a prova viva de que a limpeza política no Brasil está apenas começando e, o que é pior, tem grande chance de não ser concluída.

O ex-ministro fez uma séria denúncia de uso da máquina pública para garantir interesses pessoais de um mandachuva do governo. Os parlamentares, reunidos em Brasília, decidiram que o acusado sequer merece ser investigado, e alguns ainda declararam que o intuito de Calero é desestabilizar o Brasil. Inverteram a lógica. O fator desestabilizante é a blindagem de figuras que deveriam ser afastadas do poder, é a possiblidade real de legalizar crimes.

Ante esse quadro, a cada dia fica mais claro que a crise econômica é consequência da crise moral e ética que se apoderou do país há tempos. Assim, a contundente afirmativa do procurador Deltan Dallagnol, de que no Brasil a corrupção é sistêmica, é comprovada mais uma vez, agora por meio de uma denúncia de um ministro demissionário, que sofreu pressão para alterar a decisão técnica de um órgão sob sua responsabilidade, com o intuito de favorecer um empreendimento de um “colega” ministro. A diferença entre Calero e Geddel Vieira Lima é que o primeiro não é político profissional, e sim servidor público concursado da carreira diplomática. Certamente por isso, demonstrou ser cioso de seus deveres e, mais que isto, que está a serviço do Estado Brasileiro, do povo.

A Constituição de 1988 acertou ao determinar que a contratação de servidores públicos deve se dar por meio de concurso (avaliação de mérito) e com garantia de estabilidade, o que evita o completo desmoronamento do Estado a cada mudança de governo. Foi o que salvou o Brasil da venezuelização, em que o primeiro passo consiste na demissão dos funcionários e na contratação de outros, correligionários do governante eleito ou, pelo menos, simpáticos ao “projeto” partidário. Apesar desse salvador dispositivo constitucional, há um meio de burlar o sistema, que são os cargos de livre provimento, para os quais se “contrata” sem concurso, e sem estabilidade também. Cargos dessa natureza incharam a máquina pública durante a administração petista, e precisam ser drasticamente reduzidos.

Por enquanto, assistimos a um espetáculo em que lançam mão de eufemismos e hipocrisia, expostos pelo pedido de demissão de Marcelo Calero. Tudo bem que sendo o Temer vice da Dilma, não dava mesmo para acreditar em mudança radical; esperávamos, contudo, uma transição mais republicana e menos interesseira.

Bom fim de semana procês!