Justiceiros x bandidos

sergio-cabral-fichaRecentemente, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, deu uma intrigante declaração: disse que numa democracia não pode haver “justiceiros travestidos de magistrados”. Nessa mesma linha, bandidos travestidos de governadores (ou legisladores, presidentes, prefeitos e outros cargos públicos) pode?

A pergunta cabe, porque esta semana dois ex-governadores foram presos por crimes cometidos em suas gestões — corrupção mesmo, roubo. Portanto, todas as evidências apontam que são bandidos. O próprio Fernando Pimentel está sob investigação.

Um juiz, por sua vez, deve fazer justiça; é esta a finalidade de seu ofício. No dicionário Caldas Aulete, a palavra “justiceiro” é definida como aquele “que aplica a justiça”; “que é rigoroso na observação das leis e na punição de infratores”; e “pessoa que se encarrega de fazer justiça pelas próprias mãos”. Não conheço os sistemas penais dos outros países, mas é difícil acreditar que exista algum tão indulgente com a bandidagem como o brasileiro. Assim, parece óbvio que tudo o que um magistrado brasileiro não faz é justiça pelas próprias mãos. No entanto, qualquer cidadão honesto espera que um juiz aplique a lei com a devida austeridade.

Para Fernando Pimentel, isso é errado.

Lula, ao que parece, compartilha dessas ideias, pois considera o rigor na aplicação da justiça, aprovado e esperado pela imensa maioria dos brasileiros, um abuso de autoridade: seus advogados entraram com uma ação contra o juiz Sérgio Moro. O termo “abuso de autoridade”, aliás, merece uma reflexão mais cuidadosa. Esta infração se configura pela prática de ato ilícito por servidor público no exercício de suas funções, sem qualquer motivo que o legitime. Assim, podemos afirmar que os governadores presos esta semana praticaram o delito de abuso de autoridade. E que, caso sejam comprovados os crimes pelos quais Lula e Fernando Pimentel são investigados, também estará configurado o abuso de autoridade por parte destas excelsas figuras.

O que nós, honestos trabalhadores, esperamos da justiça? Nada mais do que a aplicação rigorosa dos ditames da Lei. O juiz que decretou a prisão preventiva de Garotinho afirma, em sua decisão, que “o réu acredita que seu poder está acima da lei e da ordem”, com vastas provas, inclusive públicas e notórias, de franco abuso de autoridade. Não parece que Anthony Garotinho seja uma exceção. As sublimes personalidades políticas de nossa nação sempre se julgaram acima da lei, todos sabemos.

A estratégia é inverter a culpa. Vossas Excelências abusam de autoridade e, fazendo amplo uso de seu poder de alcançar os cidadãos, acusam juízes, membros do Ministério Público e policiais do delito que cometeram. Estes, por sua vez, trabalham duro para demonstrar os crimes de colarinho branco e não têm o apoio de blogs pagos para defendê-los, nem de emissoras de rádio e de TV. Os chamados “justiceiros” simplesmente agem de acordo com a lei. Por outro lado, se não mostram seu trabalho, têm sua imagem denegrida pelos meliantes detentores de veículos de comunicação, de poder político e financeiro de longo alcance.

A importância da publicidade das operações em andamento, então, se justifica: é necessário mostrar à população não apenas o trabalho do Poder Judiciário, auxiliado pelo Ministério Público e pelas polícias, mas principalmente levar ao conhecimento do cidadão comum as violações perpetradas pelos mandachuvas.

O empenho do parlamento em aprovar uma nova “lei de abuso de autoridade” e em desfigurar o projeto de lei de iniciativa popular conhecido como 10 medidas contra a corrupção é o mais sério embate entre justiceiros e bandidos. Nós, cidadãos brasileiros, precisamos permanecer alertas contra esse abuso de poder travestido de atividade legislativa.

Bom fim de semana procês!