Vulneráveis

Businessman staring at woman walking on sidewalkA notícia que mexe com qualquer mulher: estupro. Coletivo, então, ainda nos toca mais. Num país em que o índice de homicídios é um dos maiores do mundo (29 por 100 mil habitantes), atos violentos como este atemorizam quem tem planos de visitar o país, a apenas dois meses das Olimpíadas. A cada 11 minutos uma mulher é estuprada, noticiou o portal G1. Vivemos num país de bárbaros, em pleno século XXI!

Machuca ouvir que tocar uma garota semiconsciente não é estupro. É, pela simples razão de que aquele toque não foi consentido, de que a garota não estava em plena faculdade de seus atos e, para piorar, foi exposta em um vídeo com os machos se vangloriando de sua “virilidade” e “conquista”.

Porém, ao longo desses dias em que o estupro coletivo foi amplamente divulgado pela mídia, não se percebeu debates mais incisivos sobre a dignidade da mulher. Todos os dias, em alguma circunstância, todas as mulheres sofrem pequenos estupros, não apenas físicos, mas também psicológicos e morais. São violações brutais a que nos submetem diariamente, nos mais variados ambientes.

Dizer que a garota com 16 anos já é mãe de uma criança de três anos e que frequentava um ambiente suspeito livre e espontaneamente, como se nessas circunstâncias fosse normal ocorrer algo do tipo, aponta um juízo de valor que não vi ser debatido. Esse tipo de observação deveria suscitar uma discussão mais importante: as condições sociais a que diversas crianças, adolescentes e mulheres estão expostos. Nas atuais condições, prospera uma cultura que “aceita” o estupro como um fato da vida, como ser reprovado na escola, por exemplo. Não vi ninguém discutir que a tal “cultura do estupro” vai além do machismo, passando por condições de vida e, principalmente, de educação quase nulas.

Em uma entrevista, o funkeiro que teve uma música citada no tal vídeo do estupro coletivo, disse que suas músicas apenas retratam a realidade. Uma realidade em que a mulher é vista como objeto, em que as “novinhas” vão ao chão, em que os menores estão “preparados”, e a música dos sete anões é parodiada, ou talvez seja mais adequado dizer, violada. E não se trata apenas de mau gosto, é o dia a dia de muita gente.

A presença do poder público nas “comunidades” se resume às UPPs e às buscas por bandidos, geralmente traficantes. O poder público não provê às favelas saneamento básico, nem coleta de lixo, nem escolas de qualidade em tempo integral, para que, a partir das crianças, a cultura local renasça das cinzas. O poder público não oferece segurança. Em sua entrevista, inclusive, o tal funkeiro disse não acreditar que houve estupro, porque segundo ele, a comunidade teria feito justiça com as próprias mãos. Será?

Um fato que muitos homens não conseguem compreender é a vulnerabilidade em que nós, mulheres, sempre nos encontramos. Da mais simples e corriqueira cantada à impossibilidade de passar por certos lugares em certos horários e, principalmente, usando certas roupas, estamos sempre vulneráveis e submetidas a, no mínimo, constrangimentos.

Os homens que me desculpem, mas de estupro, vocês não entendem nada. Nenhum homem sabe que temos de estar atentas por onde andamos na rua, as voltas que temos que dar para evitar locais nos quais certamente seremos assediadas. Nenhum homem tem noção do medo que temos de entrar num ônibus ou metrô cheio, onde, sem opção, nos expomos a violadores. Isso, sem falar no âmbito profissional, em que a mulher é preterida numa posição no trabalho, recebe uma desculpa e depois vê outra pessoa, exatamente com o mesmo perfil, ser contratada. Só que, claro, do sexo masculino.

Toda mulher tem que ter jogo de cintura para se livrar de inúmeras situações desagradáveis, cantadas, assédios diversos, vindos de todas as direções. E todos com a única intenção de manter relações sexuais, de satisfazer prazeres carnais masculinos. Homem nenhum tem ideia do que é ser escaneada e do quão humilhante isso é. Somos reduzidas a bunda, peitos e pernas. Isso é tão degradante quanto o estupro stricto sensu, já que a relação sexual é imaginada e desejada, só falta mesmo partir para as vias de fato.

Com a repercussão do estrupo coletivo, foi criada uma Secretaria de Políticas para Mulheres. Será que isso vai resolver alguma coisa? Porque, se a cultura do estupro é uma questão de condições de vida, de educação e de machismo, é difícil conceber que a situação se reduza a políticas para mulheres. Por que não educar os meninos? Por que não melhorar as condições gerais de vida nas comunidades desfavorecidas?

O cinismo machista chega ao ponto de criar o Partido da Mulher Brasileira, cujos membros são majoritariamente homens. Um senador, ao se filiar ao PMB, teve o disparate de declarar: “O que seria de nós, homens, se não fosse uma mulher ao nosso lado para nos trazer alegria e prazer?”

Não é preciso dizer mais nada.

Bom fim de semana procês!

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