Análise preliminar de um governo que mal começou

singles112Acusado de usurpar o “trono” petista, Michel Temer recebeu uma herança maldita de proporções homéricas e, preso às amarras do presidencialismo de coalisão que ainda impera na pátria canarinha, montou um ministério estranho, digamos assim.

Ainda não é possível criticar um governo que começou há uma semana. Pelo menos me parece melhor esperar para ter elementos e fazer uma crítica mais embasada. No entanto, alguns sinais foram dados e valem uma análise. Por exemplo, a composição do Ministério: dos 23 ministros já nomeados pelo interino, pelo menos um terço teve papel de destaque nos governos petistas, e em alguns casos, foram de uma fidelidade canina a Dilma, no processo do impeachment ainda em andamento. Além disso, alguns ministros estão envolvidos na Operação Lava-Jato. Não houve, portanto, uma mudança realmente drástica, como a voz das ruas requeria. De qualquer forma, vamos dar ao presidente interino a chance de mostrar a que veio. Seu estilo de governar parece diferente, talvez não seja centralizador e nem faça dos ministros meros objetos decorativos — para usar uma expressão cara ao Temer —, úteis para cumprir formalidades, enquanto uma pequena cúpula governa. Mas disso só saberemos em alguns meses.

Outro sinal é a maneira como o interino enfrenta as dificuldades. Michel Temer está prestes a ceder à pressão dos “artistas” e ao “pedido” do presidente do Senado: talvez desista de fundir o Ministério da Cultura com o Ministério da Educação. Aliás, cultura e educação, vamos combinar, são irmãs siamesas. Francamente, não vi problema algum na fusão, tendo em vista que os instrumentos de financiamento, que realmente é o que interessa, não foram e não serão extintos.  O status de ministério pode dar a impressão de que a área é importante e valorizada. Isso é duvidoso, principalmente nesse momento de catarse política, em que a população clama pelo fim do aparelhamento da máquina pública, pelo corte do excesso de cargos de livre provimento e das “boquinhas” famintas na teta do Estado.

Falando em “boquinha”, a manifestação dos artistas brasileiros em Cannes, denunciando um suposto golpe em curso, trouxe à tona algo que, se investigado a fundo, poderá levar à comprovação de situações extravagantes durante os 14 anos de lulopetismo. O diretor do filme “Aquarius” tem um cargo público comissionado: é coordenador de cinema da Fundação Joaquim Nabuco. O filme que ele dirigiu teve financiamento público. Bom, vamos ver se entendemos: Kleber de Mendonça Filho é diretor de cinema em uma fundação do governo e recebeu financiamento público para seu filme, certo? É um flagrante e inaceitável conflito de interesses, em que o hipócrita se beneficia de sua atuação pública para favorecer seus interesses pessoais — uma conduta antirrepublicana, que foi aprofundada nos governos petistas, em todas as áreas.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o diretor disse não temer retaliação por sua manifestação, pois vive numa democracia. Nisso ele está certo, mas parece bastante confuso. Se ele acredita na nossa democracia, como pode dizer que há um golpe em curso? Outra incoerência é o cineasta querer continuar trabalhando para um governo que ele considera golpista; uma pessoa coerente teria se demitido tão logo Dilma deixou o Planalto. Ele também se esqueceu de que não é servidor concursado e que, portanto, esse cargo pode ser destinado a outra pessoa que seja da confiança do atual governo, que pode optar, inclusive, por um servidor de carreira.

Outra clara sinalização das intenções do governo interino veio do novo chanceler, José Serra, a respeito da atuação da nossa diplomacia. A prioridade é que esta volte a refletir os interesses do país, e não de um partido político e de seus aliados externos. Testemunhamos, durante esses longos 14 anos, a desvalorização da diplomacia brasileira, que foi desde a inércia em algumas negociações (resultando nos piores acordos para o país) até o sucateamento das embaixadas brasileiras. Os diplomatas brasileiros têm alto nível de formação, mas sob o comando de um grupo com interesses ideológicos nada patrióticos, o Brasil como um todo perdeu muita força no cenário internacional, além de acordos internacionais que poderiam beneficiar toda a população.

O quadro geral do governo interino (que está apenas começando) não é tão bom, mas também não é tão ruim. Daqui a alguns meses poderemos ter uma visão mais apurada da atuação de Michel Temer e sua equipe. O que se deve levar em conta é que ele encontrou um país completamente falido, com um déficit da ordem de centenas de bilhões, em pleno processo de desindustrialização, com o desemprego crescente, e em meio a graves epidemias. Solucionar tudo isso não será fácil e nem de uma hora para outra.

Bom fim de semana procês!