Tempos velozes

cUNHA 171Foi tudo muito rápido. Ou não — como diria Caetano. De qualquer maneira, está difícil escrever crônicas para esta coluna com antecedência, porque desatualizam num instante. Mas isso só acontece porque, confesso, não consigo abordar outro assunto. É que nosso reality show político, de fazer inveja ao seriado “House of Cards”, está cada vez mais excitante.

Alguns acontecimentos desta semana são dignos de figurar nos “anais do nunca antes”. O primeiro é o feito da Procuradoria Geral da República, que solicitou ao STF autorização para investigar um ex-presidente, a atual presidente e seu advogado-geral da União particular.

Sobre o ex-presidente, vale registrar que todo mundo sempre soube que ele é o chefe de uma quadrilha, mas ninguém tinha coragem de afirmar isso e de peitar esse fato com uma investigação. Com esse ato, Rodrigo Janot prova que exerce a função pública de procurador-geral com a devida isenção, inclusive porque ele também pediu autorização para investigar o principal nome da oposição.

O segundo fato, e quiçá o mais importante, é o afastamento, pelo STF, do presidente da Câmara dos Deputados do cargo de deputado. Isso abre um precedente importantíssimo e deve estar tirando o sono de muitos parlamentares: daqui em diante, qualquer um deles pode ser afastado pelas mesmas razões que Cunha, ou seja: crimes. A urgência, nesse caso, deve-se ao fato de que, como presidente da Câmara, o parlamentar está na linha sucessória da Presidência da República, e na iminência de realmente tornar-se presidente. Socorro!

Vamos ver a semelhança das situações: Dilma Rousseff foi eleita; Eduardo Cunha também. Dilma Rousseff, ao que tudo indica, cometeu crimes, pelo menos o de responsabilidade e, muito provavelmente, de obstrução da Justiça; Eduardo Cunha também cometeu crimes, está envolvido na Lava-Jato até o pescoço. Ambos, na qualidade de chefes de seus respectivos poderes, fizeram várias ações, assinaram várias leis. E agora fala-se que com o afastamento de Cunha, a votação da admissibilidade do processo de impeachment deve ser invalidada.

Vamos ver se entendemos tudo direitinho: quer dizer que com o afastamento de ambos — ou a cassação da chapa petista — tudo o que eles fizeram no exercício de seu mandato legal deve ser invalidado? Por que anular apenas um ato da Câmara dos Deputados sob a presidência de Eduardo Cunha? É difícil que isso seja factível. Primeiro, porque o que está feito, está feito: o rombo nas contas públicas já ocorreu e nós já estamos pagando essa conta. A Lei Orçamentária Anual e várias outras leis, mais a admissibilidade do pedido de impeachment foram aprovadas pela Câmara dos Deputados, com o voto dos deputados, legitimamente eleitos representantes da população. O exercício da presidência por Cunha não dá a ele poderes para decidir, não foi com uma canetada que ele admitiu o processo de impeachment que, aliás, foi consentido por 367 deputados.  Isso não quer dizer nada?

Para o PT, cuja onipotência está se esvaindo, o simples fato de Eduardo Cunha estar presidindo a Câmara invalida um processo que está sob a supervisão do STF e que teve a participação ativa de 511 deputados federais. É um pensamento extremamente arrogante, casuístico e que demonstra desprezo pelo processo constitucional, pela própria Constituição Federal e pelo sistema democrático, caracterizando uma postura autoritária.

Ao testemunhar tais acontecimentos, vemos o funcionamento pleno das instituições constitucionalmente estabelecidas. É bom ver o sistema funcionando e, mais do que isso, que ele tem controles: um poder da República fiscaliza o outro. A medida do Supremo teve que ser tomada tendo em vista que o Poder Legislativo foi incapaz de exercer sua função de analisar a cassação do mandato de Eduardo Cunha, inclusive por interferência do próprio. Com esse afastamento, talvez o Conselho de Ética consiga trabalhar em paz e a Câmara possa exercer sua função, na estrita observância dos princípios constitucionais. Não é muito, é só a obrigação deles que deve ser cumprida. Estamos esperando, chega de desculpas. Que seja rápido!

Bom fim de semana procês!

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