O Brasil sem máscaras

belarecatadaA semana começou com um espetáculo na Câmara dos Deputados, em plena prática da democracia. Respeito as opiniões divergentes, mas é fato que os representantes do povo inteiro lá estavam cumprindo sua função, de acordo com o estabelecido na Carta Magna.

Foi interessante. O que vimos foi a cara do Brasil. Sem máscaras. Aqueles deputados, eleitos tão legitimamente quanto a chapa vencedora das eleições presidenciais de 2014, e de acordo com as regras eleitorais vigentes (não discutirei se tais regras são boas ou ruins), são o reflexo da população brasileira. O povo brasileiro está bem representado em seu parlamento.

Qualquer um pode abrir o Facebook e ver em seus amigos as características de Vossas Excelências. É comum vermos exaltação à família, adoração a Deus, homenagens públicas de aniversário, lembranças públicas do aniversário de morte de um ente querido, enfim, tudo o que os deputados falaram, incluindo manifestações contra corrupção, golpe etc.

Estou feliz com isso? Não. Eu gostaria que tivéssemos um parlamento mais bem preparado, mas isso é impossível no sistema representativo, porque a maioria dos brasileiros não possui preparo suficiente que os habilite a escolher seus candidatos de maneira mais crítica. A democracia é isso também: cada um pode escolher e votar de acordo com suas convicções. Ou não. Na verdade, cada um pode votar como bem entender, com os critérios que lhe aprouver, ou até sem critério algum. A escolha é de cada cidadão e não me sinto no direito de questionar o voto de ninguém.

Portanto, o que vimos no dia 17 de abril foi exatamente o que o nosso Brasil é. E não apenas nesse dia, mas também na matéria da revista Veja São Paulo do dia 18, sobre a Marcela Temer, intitulada “bela, recatada e do lar”. À exceção das que vivem nas grandes cidades, a maioria das mulheres brasileiras ainda vive sob a tutela de um homem. Logo, Marcela Temer também é a cara do Brasil.

Essa matéria provocou reações diversas. “Bela, recatada e do lar” são os adjetivos dirigidos à vice-primeira-dama que foi, implicitamente, retratada como um modelo a seguir. Minha pergunta é: que mulher precisa que alguém lhe diga qual o modelo a seguir?

Que fique bastante claro: não sou contra ninguém ser bonita, nem recatada, nem se dedicar exclusivamente à família. Difícil é engolir isso (ou qualquer outra coisa) como um modelo para as mulheres do Brasil, mesmo que a maioria ainda viva dessa forma.

Boa parte das mulheres persegue a beleza. Não por acaso, o Brasil tem destaque no ranking mundial de cirurgias plásticas estéticas e o ramo de cosméticos cresceu em 2015, apesar da crise. Qualquer mulher usa nem que seja um batonzinho, um creminho antirrugas, um hidratante, um perfume. Não é pecado ser bela. O problema está em reduzir o valor de uma pessoa à sua aparência, ainda mais se o próximo adjetivo é “recatada”.

Segundo o dicionário Caldas Aulete, “recatado” significa “que se guarda, que não se expõe, que tem pudor (moça recatada, maneiras recatadas); pudico”. Nestes primeiros anos do século XXI é difícil crer que ainda exista alguém assim. Ser recatada era uma característica crucial para as moças casadoiras até a década de 1970. É um adjetivo cruel, porque a pessoa tem que ser de acordo com o que os outros pensam e como querem que ela seja, principalmente os pais e o marido. Ser recatada, conforme a matéria e os ensinamentos das revistas femininas da primeira metade do século XX, significa não usar roupa curta ou decotada; significa guardar-se para que o marido tome as rédeas do relacionamento, da família. Marcela é um bibelô: chama atenção pela beleza, mas não se expõe, bem à moda antiga, do jeito que a geração do Temer gosta.

Ser “do lar” para Marcela não é o mesmo que ser dona-de-casa para a maioria das brasileiras. Uma dona-de-casa dá um duro danado, todo dia: lava, passa roupa, faxina, cozinha, ajuda os filhos nas tarefas escolares, vai compras. Uma “dular” na roça, além desses afazeres, ainda tem que costurar, cuidar da horta, das galinhas, dos porcos, até de vacas. Trabalha do nascer ao pôr do sol. Segundo a reportagem, a ocupação de Marcela é cuidar dela mesma e das redes sociais, para relatar ao marido o que está rolando. É, portanto, um esquema de vida diverso das mulheres “do lar” do nosso Brasil.

A matéria exalta o fato de Marcela ter se casado aos 20 anos com um homem de 62. Isso reforça um Brasil que resiste aos tempos contemporâneos, onde ainda hoje os pais “entregam” as filhas para homens poderosos (procurem saber como o casal se conheceu).

O pior é o final da reportagem, que afirma que Michel é um homem de sorte, após um poema de sua autoria, que me pareceu uma metáfora de uma relação sexual. Para mim, o retrato que a revista fez de Marcela Temer não é nada bom: temos ali uma mulher-objeto, que talvez tenha que se anular, e que parece não ter ambições ou interesses além da família. No final, fiquei com pena.

Bom fim de semana procês!