Outros tempos, velhas práticas

pizza1Terminei minha crônica da semana passada sentindo cheiro de pizza. O cheiro continua, e boa parte dele é proveniente da estratégia do governo para barrar o impeachment. O toma lá dá cá, em 126 anos de república, permanece o mesmo. Nada mudou.

Na época dos coronéis, durante a Velha República derrubada por Getúlio Vargas com o apoio dos militares em 1930, cunhou-se o termo voto de cabresto, um sistema eleitoral frágil permitia que os coronéis comprassem votos para seus candidatos. A eleição era aberta e vigiada por capangas. Apesar do século que nos distancia, a prática é semelhante, já que o Planalto, abertamente, negocia cargos e dinheiro em troca de votos no parlamento. É nojento. Não seria isso crime? Os tempos são outros, mas as práticas permanecem as mesmas.

O atual sistema eleitoral e político ainda é frágil, em que pesem os avanços alcançados. O principal elemento que possibilita esse sistema é a endogenia: quem faz as leis as faz para si e de acordo com seus próprios interesses. Portanto, o Brasil é, na verdade, um enorme forno, onde sempre são assadas as mesmas pizzas, variando só o tempero (a depender do tema em debate). De vez em quando, uma queima: alguém vai pro sacrifício.

A idoneidade deveria nortear inclusive as candidaturas. O dicionário Caldas Aulete define como idônea a pessoa apta “técnica e moralmente para ocupar certo cargo ou desempenhar determinada função”. E o que vemos no nosso Brasil? Pessoas de moral duvidosa e incapacidade técnica ocupando cargos de destaque, cujas funções são da maior relevância. No atual parlamento, a coisa anda feia, já que os presidentes das duas casas e diversos parlamentares não preenchem adequadamente o requisito da idoneidade, como, por exemplo, o deputado Paulo Maluf, que sequer pode sair do Brasil, senão vai preso. Mas aqui, além de gozar de liberdade, ele ainda tem foro privilegiado.

Crise moral nenhuma está tomando conta do Brasil porque, na verdade, essa imoralidade sempre existiu, não há crise alguma. O que mudou de uns tempos pra cá é que voltamos à situação da Velha República: as imoralidades, algumas até criminosas, são praticadas abertamente, sem qualquer pudor, sem o mínimo pejo. A Presidência da República, enquanto instituição, se enfraquece com práticas que afrontam alguns princípios pétreos da administração pública, notadamente, o da moralidade e o da impessoalidade. O Planalto virou palco de comícios partidários, personalizando, assim, a instituição Presidência da República. O toma lá dá cá é um exemplo de prática imoral, para dizer o mínimo. Se a compra de votos é crime eleitoral e a seu praticante é aplicada a pena de cassação e inelegibilidade, o que dizer da compra de votos de parlamentares? Ainda que não se trate de uma eleição, não seria essa “negociação de cargos” uma prática subversiva do princípio republicano? Queremos e confirmamos, com nosso voto, a liberdade no exercício do poder, um princípio democrático importante. O que não podemos aceitar é o mau uso dessa liberdade em benefício próprio ou de seu grupo político. Isso também poderia ser caracterizado como crime de responsabilidade?

São as perguntas para as quais podemos esboçar respostas morais, mas legalmente as respostas têm nuances permissivas e até incoerentes com os conceitos de República e Democracia. O erro não é do povo que não sabe votar, mas de todo um sistema contaminado pelo fisiologismo e pelo compadrio, que admite práticas de moral duvidosa, porém legais.

Está difícil manter o otimismo ante as notícias de que tomamos conhecimento diariamente. A queda de máscaras é importante, mas é insuficiente para limpar a sujeira que está embaixo do tapete da política brasileira. Um problema pontual poderá ser eventualmente resolvido, mas o sistema imoral e permissivo, ao que tudo indica, permanecerá. Nunca foi diferente, afinal.