O ocaso de um governo que nunca existiu

bsbesta1Estarrecimento, perplexidade, revolta: é o que a maioria dos cidadãos brasileiros sente com a desfaçatez sem tamanho dos últimos dias, que culminou com a nomeação de um suspeito de corrupção como ministro da Casa Civil. A cusparada na cara fica por conta da divulgação dos diálogos telefônicos do ex-presidente-suspeito.

O que chama a atenção na conversa entre a criatura e seu criador foi a diferença de tratamento. Que decepção! Ela o trata de senhor e ele não a trata de Presidente, ou Presidenta, como ela prefere. Ficou parecendo subserviência: ela é a funcionária, ele o chefe. Desafortunadamente, as evidências apontam que nunca foi de outra maneira nesses longos e infelizes cinco anos e três meses de governo. A partir dessa constatação, é possível entender melhor a renúncia tácita da presidente: a cerimônia de posse do ministro-ex-presidente-suspeito foi o ocaso de um governo que nunca existiu de verdade; foi o reconhecimento da incompetência e da incapacidade até de manter algum diálogo com o próprio vice, que sequer compareceu ao ato.

As gravações ainda revelaram total desprezo às instituições e aos demais Poderes da República. É esse desprezo combinado com a arrogância, em meio a arrotos de sabedoria histórica, que dá a esse grupo a certeza de que podem fazer o que bem entenderem. Afinal, se consideram representantes únicos e incontestes da vontade popular e, portanto, têm legitimidade para tal. Calma aí! Os quase quatro milhões de pessoas que foram às ruas no último dia 13 de março não concordam com isso. Ademais, o juiz Sergio Moro, o Procurador Geral da República, o STJ e o STF nos lembraram de que ninguém está acima da Lei.

Não vou censurar os palavrões. Até porque, ao que parece, as conversas eram entre pessoas com certo grau de intimidade, digamos assim. Quem é que não solta o verbo com as pessoas mais próximas, não é mesmo? Mas que houve desrespeito com as mulheres militantes, isso houve. E dá nojo, e faz aumentar a revolta.

A toda ação corresponde uma reação, e a revelação das gravações provocou a manifestação do Judiciário brasileiro. O Ministro Noronha, do STJ, fez um pronunciamento importante, e declarou que o Brasil não está alinhado às ditaduras da América Latina justamente porque o Judiciário é íntegro. Eu acrescentaria que é realmente independente. Noronha ainda exaltou a atuação do Juiz Sergio Moro e convocou o Judiciário a garantir a justiça em primeira instância. De fato, é nesse fórum que são julgados a maioria dos crimes e tais juízes merecem todo o apoio. Com Sergio Moro, o trabalho deles está aparecendo. Que venham outros sergios moros!

No mesmo dia, o Ministro Celso de Mello do STF demonstrou toda a sua indignação com o desrespeito do ex-presidente-suspeito, e chamou a atenção para um princípio caro à República: a isonomia, que iguala a todos, sejam ricos, pobres, com alto nível de escolaridade ou não, sejam governantes ou não. Nenhum cidadão está acima da Lei.

Em diversas partes do Brasil, os magistrados fizeram manifestações a favor de Sergio Moro ao longo do dia. Isso é importante demais, porque o método petista se orienta pela desqualificação das pessoas. São craques nisso, detonaram a Marina Silva nas eleições de 2014, estão lembrados? Mas esse método, ao que parece, não cola mais. Não com a maioria do povo.

Na noite do dia 16 de março, estive na Esplanada dos Ministérios. Foi lindo ver o povo chegando de todos os lados, o buzinaço, o Hino Nacional cantado com ardor, com verdade. Foi uma tranquilidade poder descer no gramado para o Congresso Nacional e ver a polícia da democracia apenas proteger o patrimônio. Em nenhum momento, a formação policial partiu para o confronto com os manifestantes, apesar das palavras de ordem “Ei, soldado, do lado errado”. Teve até um policial que não se conteve e acionou a buzina da viatura que guiava, fazendo a alegria do povo.

E nessa hora, mais uma vez, louvo a Carta Magna (e a Assembleia Constituinte de 1988), que determina a independência entre os Poderes da República. É só por isso que existe uma Operação Lava-Jato, na qual Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário trabalham em uma força-tarefa que investiga a corrupção na Petrobras e, de quebra, descobrem que a roubalheira é bem maior, e a situação é muito pior do que se imaginava. É só por isso que o Congresso Nacional pode instaurar um processo de impeachment contra qualquer Presidente da República, respeitadas as condições para tal. Louvo a Democracia, que garante a transparência pública e a total liberdade de imprensa e de manifestação.

Como bem nos lembra o jurista Fábio Konder Comparato: acima do poder do governo está o poder do povo!

Bom fim de semana procês!