Atividades parlamentares?

revistacongemfoco16-capa-221x300Agora que o ano começou no Brasil, começamos também a ter acesso a algumas informações curiosas. Esta semana foi divulgada a assiduidade dos nossos parlamentares às sessões obrigatórias, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado. Vejam bem, não se trata de assiduidade ao trabalho, mas a algumas reuniões.

Comecemos pela Câmara dos Deputados, mais povoada. É obrigatória a presença de todos os deputados em 125 sessões, apenas. Vamos fazer as continhas: o ano tem 365 dias, sendo 48 finais de semana (descontados os finais de semana referentes ao mês de férias) e 14 dias considerados feriados ou pontos facultativos. Para o trabalhador comum, que não trabalha aos sábados e domingos e tem direito a 30 dias de férias, sua presença é obrigatória no trabalho em 225 dias. O trabalhador que trabalha aos sábados deve comparecer em 273. Já os deputados têm obrigação de comparecer a 125 dias…

Não vamos generalizar e dizer que eles não trabalharam nos outros dias, consideremos que sim. Mas a obrigatoriedade de sua presença está muito aquém da de um trabalhador comum. Aliás, vamos nos lembrar que os finais de semana dos parlamentares (deputados e senadores) têm quatro dias, já que o expediente é de terça a quinta-feira. Portanto, se subtrairmos dos 225 dias úteis de trabalho as 104 segundas e sextas-feiras do ano, o número total de dias que os parlamentares do Brasil têm que trabalhar é 171. Ui, que coincidência sintomática.

Bom, feita a ressalva do absurdo número de dias a trabalhar e de dias obrigatórios de presença no trabalho, é digno de nota que apenas 4% dos 513 deputados tiveram 100% de assiduidade em 2015. Dezenove deputados! Se o salário deles fosse ruim, se tivessem que ter dois empregos para conseguir pagar as contas, se tivessem que enfrentar greves de ônibus, assaltos dentro dos coletivos e viagens em pé por duas horas ou mais, mesmo assim eu ainda não entenderia tanta ausência. Uma parte considerável de nossa população vive dessa forma, e nem por isso falta ao trabalho.

Os deputados justificaram suas ausências: os atestados médicos foram os campeões, garantindo o abono das faltas. O deputado Wladimir Costa faltou a 105 sessões e apresentou justificativa para 93 faltas, todas alegando problemas de saúde. Paulo Maluf (PP-SP) não compareceu a 68 sessões e apresentou 62 atestados. Há tantos, que somando tudo temos em torno de 4.600 atestados médicos e odontológicos. O trabalhador normal, se precisar ausentar-se por um período prolongado devido a problemas de saúde, deve passar por perícia médica para receber o auxílio-doença. O servidor público federal pode ausentar-se por licença médica apenas cinco dias durante o ano. Para mais do que isso, deve submeter-se à perícia. E aí vem a óbvia pergunta: os deputados precisam passar por perícia médica, como os demais trabalhadores do Brasil? Não sei a resposta, mas pela matéria da revista Congresso em foco que divulga tais números, me arriscaria a dizer que não.

No Senado, a coisa é mais esculachada ainda. É obrigatória a presença de todos os senadores em apenas 127 sessões. Se faltarem a mais de um terço, sem justificativa, perdem o mandato (o mesmo vale para os deputados); com justificativa, as faltas são abonadas. Somente dois senadores foram 100% assíduos. No total, foram registradas 1.236 faltas, sendo que 820 delas foram justificadas como “atividades parlamentares”. Revolta: afinal, qual é a atividade parlamentar para a qual esses indivíduos faltosos foram eleitos? Eles deveriam estar presentes todos os dias, porque é esta a atividade parlamentar que esperamos dessa gente: eles têm que se ocupar em discutir os grandes problemas nacionais, apresentar soluções, enfim, ajudar a melhorar o Brasil.

Para este caso, não vejo a mais tênue luz no fim do túnel. Quem tem o poder de mudar essas regras são eles próprios, que legislam sobre as nossas vidas… e as deles. São eles que decidem as cláusulas regimentais e legais acerca de dias a trabalhar, faltas justificadas, abono de faltas etc. O sistema é endógeno demais, e cheio de gente mal-intencionada, por isso há tantas falhas. Mas todas dentro da legalidade, claro. A nós, o povão, compete trabalhar feito burros de carga, para pagar os impostos que sustentam os salários dessa gente e lhes permitem exercer essas estranhas “atividades parlamentares”.

Quem quiser ler as matérias da revista Congresso em Foco, é só acessar o link: http://congressoemfoco.uol.com.br/category/noticias/memoria/assiduidade/.

Bom fim de semana procês!