Eles estão contra nós

canetadaÀs vezes, tenho a impressão de que há legisladores que não trabalham em prol da população e do bem comum. Essa dúvida me assalta todas as vezes em que fico sabendo de alguns projetos de lei estranhos.

Por exemplo: o Projeto de Lei 8022/2014, que altera o Código de Trânsito Brasileiro no artigo que versa sobre a apresentação de documentos, e propõe a não apresentação. A justificativa é que a tecnologia permite que o agente de trânsito tenha acesso instantâneo tanto à CNH quanto ao licenciamento do veículo. Uma emenda acrescenta a necessidade de que o condutor apresente algum documento de identificação (RG).

Podem me chamar de careta, de antiga. Essa coisa de não apresentar documento do carro me parece um verdadeiro tiro no pé. E se o sistema online falhar? Como o agente de trânsito deve agir neste caso? E, o que considero o pior erro, se o veículo for roubado? O ladrão pode ser habilitado e dizer: “É o carro da minha tia, ela me pediu para levá-lo à oficina”; ou: “Peguei o carro emprestado da minha namorada”; e por aí vai. A autoridade pode até desconfiar, mas como provar se um carro suspeito é roubado, se os documentos de licenciamento estão em ordem? A CNH pode até ser dispensada da apresentação, mas o documento do carro, francamente, só traz desvantagens. A não ser para os ladrões de carro, claro. Espero que a CCJ encerre esse PL sem aprová-lo, ou estarão fornecendo a senha para aumentar a atuação dos ladrões de carro, agindo em completo desfavor ao cidadão de bem.

Outra proposta esdrúxula e cujo mal foi cortado pela raiz, na Comissão de Ciência e Tecnologia, foi o PL 4502, de 1994, de autoria do então deputado Aldo Rebelo, que àquela altura sequer imaginava que viria a ser Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, ainda que por poucos meses. O PL tinha apenas um artigo: “Fica proibida a adoção, por qualquer órgão público da administração direta e indireta, nos níveis municipal, estadual e federal, de qualquer inovação tecnológica que seja poupadora de mão-de-obra, sem prévia comprovação, em relatório a ser submetido a órgão legislativo correspondente, de que os benefícios sociais auferidos com a implantação suplantem o custo social do desemprego gerado”. What?

Vamos por partes. Definir “desemprego gerado” em órgãos públicos é estranhíssimo. Para início de conversa, os servidores concursados não ficarão desempregados, devido à estabilidade. Quem poderia ficar desempregado seriam os funcionários terceirizados. A contratação de terceirizados, conforme determinado pelo TCU, deve ser restrita a atividades-meio: copa, limpeza, serviços técnicos de informática, transporte, secretaria. As atividades finalísticas dos órgãos devem ser exercidas por servidores públicos de carreira. Essa determinação nada tem a ver com a adoção de tecnologias, mas sem computadores, certamente seriam necessárias mais pessoas para executar várias tarefas. E isso significaria, portanto, um aumento considerável dos gastos com a máquina pública.

Em segundo lugar, a adoção de tecnologias pelo serviço público geralmente beneficia a população. Taí a Receita Federal que não me deixa mentir. A Declaração de Imposto de Renda online facilita demais a vida do cidadão comum e garante a entrega e a recepção das declarações, sem chance para extravios. Muito embora alguns sistemas levem algum tempo para serem otimizados, caso do e-social, sua utilização deve ter evitado muito tumulto na Receita. Percebo que as reclamações na mídia têm diminuído, o que significa duas coisas: o sistema está sendo ajustado e as pessoas estão se acostumando com ele e o dominando.

Portanto, essa descabida proposta traria imenso prejuízo aos cofres públicos e ao bem-estar do cidadão, cliente do serviço público. Nem preciso mencionar o prejuízo que isso poderia gerar em escolas públicas, universidades, centros de pesquisa, hospitais e bancos públicos.

Uma ou outra excentricidade sempre vinga. Um exemplo foi uma lei do município de São Paulo, aprovada em 2010 e proposta pelo então vereador Agnaldo Timóteo, que estabelece o terceiro domingo de maio como o “Dia das Mães Adotivas”. Gente, peraí, o dito “mãe é mãe” não existe à toa. Distinguir a adoção me parece algo estranho, porque as mulheres que adotaram queriam ser mães, e só. A condição “adotiva” é um mero detalhe sem importância. Mas como esse tipo de lei não traz qualquer prejuízo ao erário, vá lá. Serve só de nota para a esquisitice e inutilidade.

Há vários outros exemplos de leis e projetos de lei inúteis, quando não causadores de enormes prejuízos a toda sociedade. Existe um que virou lei, e suas primeiras consequências contra a ciência já estão expostas com essa epidemia horrorosa de zika. Mas vou poupá-los de minha indignação, porque beira à cólera, sem trocadilhos, por favor.

Acho que precisamos acompanhar melhor a atuação dos legisladores, alguns parecem estar contra nós, não acham?

Bom fim de semana procês!

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