Cultura é um perigo!

bdbMuito resumidamente, para a Sociologia, cultura é aquilo que resulta da criação humana. E neste sentido, as artes em geral fazem toda a diferença. A Literatura tem um papel de destaque, pois é por meio dela, principalmente (mas não exclusivamente), que o conhecimento é transmitido. E como todos sabemos, conhecimento é poder.

Infelizmente, o Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa não podia estar mais certo ao afirmar que “algo anda mal na cultura de um país se os seus artistas, em lugar de se proporem mudar o mundo e revolucionar a vida, se empenham em alcançar proteção e subsídios do governo”. Observamos isso diuturnamente em nosso Brasil nos últimos anos. Muitos artistas, especialmente aqueles que trabalham com espetáculos, competem nos editais do Fundo de Apoio à Cultura — FAC. Inclusive alguns que nem precisariam, pois são artistas bem famosos, de renome, têm público garantido e que pagaria para vê-los cantar ou atuar. Em Brasília, por exemplo, os ingressos para o show de Caetano e Gil custaram entre R$ 150 e R$ 700! Ui! Isso ajuda a explicar o sucesso dos bailes funk!

O Ministério da Cultura, que por sorte não foi fechado na última reforma ministerial, parece que existe praticamente para esse fundo. Suas ações extra-FAC são muito tímidas e com relevância limitada, mal patrocinam as bienais ou feiras de livros e cultura.

No Distrito Federal, por exemplo, por muito pouco não ocorreria a Feira do Livro. Graças ao incansável trabalho do presidente do Sindicato dos Escritores do DF, que suou a camisa e negociou com o governo, foi possível encontrar alternativas ao caixa negativo e fazer acontecer esse tradicional evento literário na cidade. Ufa!

Mas este não é o único baque que a população do DF está sofrendo na área de Literatura. A Biblioteca Demonstrativa de Brasília — BDB — está fechada há quase dois anos. Era a maior e mais importante biblioteca pública do DF, com um movimento de cerca de 1500 pessoas por dia. Além de ser uma biblioteca pública, a BDB abrigava o escritório regional de registro de direitos autorais da Biblioteca Nacional, onde os autores de músicas, livros, textos etc. poderiam fazer os encaminhamentos necessários para o registro de suas obras.

Estando o MinC sediado em Brasília, a lógica seria transferir esse serviço para a sede do Ministério após o fechamento da BDB. Só que o serviço foi simplesmente cancelado, não existe mais na Capital Federal. Há escritores em Brasília indo até o Rio de Janeiro somente para levar a documentação para iniciar o processo com segurança, pois parece não haver garantia de prazos e do registro depois do pagamento da taxa — pelo menos é o que me informaram.

Segundo matéria do Jornal Metro do dia 4 de novembro, os servidores que estavam lotados na BDB foram transferidos para o MinC, exceto uma servidora que, afirmam, era a responsável por tais registros. Conforme está na matéria, “ninguém sabe por onde anda” a tal servidora. Resolvi apurar e fiz uma busca no Portal da Transparência.  Descobri que a servidora parece estar comparecendo ao trabalho, porque há contracheques emitidos em seu nome. Segundo o Portal, ela está lotada no Escritório de Direitos Autorais, no Rio de Janeiro. O MinC não sabia disso? Essa desculpa para bovino adormecer é abominável, porque coloca nas costas de uma servidora de nível médio, ou seja, sem poder decisório, uma responsabilidade que não é dela.

O Ministério passou por uma reestruturação e as autoridades sequer sabiam do problema do fechamento do escritório regional de direitos autorais na Capital Federal. É assim, nas entrelinhas de situações como essa, que vemos a importância que a Literatura tem para o governo.

Mais do que subsidiar espetáculos e obras, o governo deve promover o acesso da população à cultura. O presidente do Sindescritores tem buscado o diálogo com a Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do MinC. Essa aproximação é muito positiva, não apenas para atender aos pleitos dos escritores, mas também, e principalmente, para aproximar o governo desse setor da sociedade, com vistas a promover a Literatura como arte popular.

É um equívoco das pessoas achar que Literatura é coisa de erudito, quando deve ser coisa para todos, sem exceção. A igualdade de direitos passa pela igualdade de acesso à cultura, e esse acesso não se limita a subsidiar espetáculos, em que pesem os benefícios alcançados pelo FAC. É muito mais, consiste em congregar a população e os artistas locais para que todos possam crescer e aprender juntos e formar, de fato, uma sociedade mais igualitária e culta. Nisso, historicamente, o MinC tem falhado.

O erro do governo na área de cultura, ao que parece, é o mesmíssimo de outras áreas: planejamento precário ou nulo. Mas ao case da BDB está acrescido o descaso com os escritores locais e com a população, que tinha nesse espaço um ponto de encontro com a Literatura e o conhecimento. E isso, minha gente, é um perigo!

Bom fim de semana procês!

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