Da manjedoura para o porsche

jesuseduUma das características mais legais que este nosso Brasilzão tem é a liberdade de culto religioso. Sem dúvida, um enorme acerto de nossa constituição, tendo em vista a diversidade cultural de nossa gente, resultante de todas as gentes que ajudaram a construir o nosso país.

O Brasil ainda é de maioria católica. A Igreja Católica é tida como a fundadora do cristianismo, pois, segundo sua doutrina, surgiu a partir do próprio apóstolo de Cristo, Pedro. Depois do cisma do século XI, o mundo passou a ter duas religiões cristãs, a Igreja Ortodoxa (oriental) e a Católica Apostólica Romana (ocidental).

No século XVI, ocorreu outro grande cisma da igreja ocidental, com a reforma protestante capitaneada por Martinho Lutero, que inaugurou a Igreja Luterana na Alemanha. Na Suíça, com Ulrico Zuínglio, e na França, com João Calvino, as ideias de Lutero se espalharam pela Europa e a corrente do Calvinismo foi a mais preponderante. Na Inglaterra, o Rei Henrique VIII, por motivos não tão cristãos, deu início à Igreja Anglicana.

Mas fenomenal mesmo é o que vem acontecendo no Brasil desde o final do século XX. Igrejas Universais e derivadas pipocam em todas as esquinas, com uma proposta de fé bem peculiar, conhecida como “teologia da prosperidade”. De acordo com essa doutrina, Deus deseja a bênção financeira para os crentes e a “fé” e as doações para a igreja aumentarão a riqueza material de cada fiel. Em outras palavras: quanto mais um fiel doa $$ e se dedica à igreja, mais dinheiro e bens ele terá. Essa é a promessa e “Deus é fiel” às suas promessas.

Não quero, nem vou julgar a fé de ninguém. Cada um acredita no que quiser e se for feliz assim, ótimo. Mas uma coisa está mais do que provada: a teologia da prosperidade é infalível… para os pastores. Haja vista que Jesus.com tem altos carrões em seu nome, e claro, o pastor Eduardo é que não é o proprietário “legal”.

Parece que se repete com estas, chamemos de “seitas brasileiras da atualidade”, a situação da Igreja Católica séculos atrás, quando o mundo era governado por um clero riquíssimo e com poder temporal. Hoje, no Brasil, temos os pastores megaendinheirados, organizados em partidos políticos, com controle dos meios de comunicação e com uma bancada substancial no parlamento, com poder para definir legalmente o que é uma família, por exemplo.

É aí que mora o verdadeiro perigo. O estabelecimento do Estado Laico em nossa Carta Magna é posto em cheque quando temos um parlamento que trata questões de Estado fundamentando sua decisão em doutrinas religiosas. Se só um homem e uma mulher podem formar uma família, como ficam as crianças adotadas por solteiros? O drama é maior nas famílias formadas por casais homossexuais, cheios de amor por crianças que foram dadas para adoção, que o pai (homem) e a mãe (mulher) abandonaram. Mas, segundo várias (ou todas) religiões, sodomia (e afins) é pecado. Jesuisss!! Misericórdia!

O mesmo vale para as questões envolvendo o aborto. Ser contra o aborto é uma coisa, outra é trata-lo como crime e outra ainda é não compreender que há as gestações mais-que-indesejadas, diria repugnantes, porque tiveram origem num estupro (um ato de violência, portanto) e, consequentemente, a vítima pode desejar não conviver tanto tempo com essa violência. O aborto é pecado mortal. O estupro, ao que parece, não. Pecado é crime, abortar em qualquer circunstância é, portanto, crime! Misericórdia!

Misericórdia suplico eu! A charlatanice religiosa é a mais comum e uma das mais antigas também. Mas as pessoas são livres para cair na armadilha que quiserem, o problema é colocar os impostores no cerne de decisões importantes, afetando aqueles que não escolheram participar disso. E mais, colocando em risco a liberdade de escolha, incitando a violência (direta e indiretamente), rebaixando a condição da mulher, diminuindo-lhe os direitos sobre o próprio corpo, sobre a própria vida.

Irmãos e irmãs, oremos por um mundo com mais Sãos Franciscos de Assis e menos isenções de taxas e impostos para instituições religiosas, todas elas, sem exceção. Que Deus nos mande um novo Martinho Lutero para demonizar o culto ao dinheiro e inaugurar um novo tempo. Que a ira do Deus do Antigo Testamento caia sobre aqueles que levantarem Seu Santo nome em vão. E que Jesus.com explique melhor como conseguiu tantos bens, porque, convenhamos, ninguém no Brasil que tenha suas origens numa manjedoura consegue adquirir carrões luxuosos honestamente em tão curto espaço de tempo!

Bom fim de semana procês!