Condenados

brasil-ranking-global-mercado-tecnologiaEm tempos de vacas magérrimas, de contenção de gastos, de cortes orçamentários, uma das áreas mais atingidas foi a de ciência, tecnologia e inovação. Por razões óbvias: o investimento não tem retorno imediato e não se traduz em votos. No entanto, é um passaporte para o futuro, pois o superávit ou o déficit da balança comercial dependem da capacidade do país de exportar produtos com valor agregado, ou seja, com tecnologia de ponta envolvida.

Desenvolvimento tecnológico e inovação são agendas importantes nos países desenvolvidos. E deveriam ser nos países em desenvolvimento também, pois não se vislumbra sair desta condição sem apostar em tecnologias inovadoras, que possam trazer dividendos para o país. É um ciclo virtuoso: investimento em ciência, gerando conhecimento e desenvolvimento tecnológico, gerando empreendimentos industriais que, por sua vez, geram inovação, que se traduzem em produtos de exportação com alto valor agregado, resultando em uma balança comercial mais favorável e menor dependência de tecnologias importadas.

Bom, naturalmente, para esse ciclo funcionar bem, além de investimentos, deve haver um sistema de ciência, tecnologia e inovação que favoreça a formação de pessoal em carreiras tecnológicas, como engenharias em geral, biologia, química, física, matemática. Pois bem, o sistema brasileiro de C&T é até razoável. Mas um passo importante que o país deve dar é a internacionalização de nossa ciência, especialmente na formação de recursos humanos. E é com esse objetivo que foi criado, em 2011, o Programa Ciência sem Fronteiras.

O programa é, em tese, ótimo, como, aliás, vários programas do governo. O problema do CsF também é o mesmo dos outros programas: falta de planejamento. O CsF foi lançado já com a meta de oferecer 101 mil bolsas em nível de graduação e pós-graduação, sendo a maioria para graduação. O governo federal fez convênios com universidades de primeira linha do mundo inteiro e, por meio de seleção, manda brasileiros para estudar integral ou parcialmente. Perfeito. Qual o problema, então? Primeiro: de onde saiu o número 101 mil? Segundo: por que a maioria das bolsas é para estudantes de graduação? Terceiro: por que não privilegiar o doutorado no exterior? Há outras perguntas, mas essas já provocam uma boa reflexão.

O primeiro problema, a meu ver, é o pior. O número mágico “101 mil” surgiu sabe-se lá de onde, não se faz ideia de como, mas sabe-se muito bem de quem é a culpa, digo, de quem foi a ideia. O fato é que o CsF esgotou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, principal fonte de fomento à inovação nas mais diversas áreas.

Sobre o segundo problema mencionado, verificou-se, já com o programa em andamento, que não existe demanda qualificada na graduação para preencher a oferta de bolsas. Haja vista a enormidade de pedidos para ir para Portugal, pois são poucas as pessoas na graduação com domínio de inglês suficiente para encarar disciplinas em bancos de universidades americanas ou alemãs. A “excelente” solução que o governo arranjou foi mandar a turma com seis meses de antecedência para estudar inglês. Com tudo pago, claro.

Formar doutores no exterior já demonstrou ser uma solução exitosa. Nas décadas de 1970 e 1980, vários brasileiros fizeram doutorado no exterior com foco nas áreas de exploração de petróleo, pesquisa agrícola e design de aeronaves. O resultado é mais que positivo: em que pese a desgraça que se abateu sobre a Petrobras, tecnicamente, o Brasil é uma liderança na área de exploração petrolífera; nosso país é uma potência agrícola e é conhecido como o celeiro do mundo (a comida aqui é barata); e temos a Embraer, que dispensa maiores apresentações.

Não seria mais interessante focar em três ou quatro áreas, tipo engenharia mecatrônica, biotecnologia e química industrial, por exemplo?  São áreas em que realmente temos potencial e poderíamos mandar para o exterior algumas dezenas de milhares de doutorandos que voltariam e contribuiriam para o crescimento do país, assim como fizeram aqueles que se formaram há algumas décadas. E, claro, não seriam gastos R$ 9,5 bilhões em quatro anos, num programa que ganhou a (triste) alcunha de “turismo sem fronteiras”. O CsF, infelizmente, parece ter sido mais um programa eleitoreiro.

Não vislumbro, nem tenho a mínima esperança de que este governo faça alguma diferença positiva. Aliás, o troca-troca de ministros de ciência e tecnologia (e de educação também) é um sintoma de que o governo não dá a menor importância a essa área. Portanto, não há políticas de C&T, não há um projeto de desenvolvimento industrial, não há um plano consistente para que o Brasil se torne um país desenvolvido. Continuamos condenados a exportar commodities, com baixo valor agregado, e a importar tecnologias de ponta, incluindo remédios, de altíssimo valor agregado.

Daqui da capital da pátria educadora, desejo um bom fim de semana procês!

publicado também aqui