Antes que eu me revolte

acordoDe vez em quando tenho algumas surpresas no trabalho. Imaginem que recebi um convite para almoçar numa Embaixada, um almoço-reunião, para tratar sobre uma cooperação com um país amigo. Odiei. Isso significava trabalho na hora do almoço justamente num dia em que eu estava com visitas em casa, o que me privaria da companhia deles e me colocaria junto de estranhos, falando de assuntos chatos. E em inglês.

Sem ter muita escolha, lá fui eu cumprir a obrigação. E não é que foi uma agradável surpresa? Embora tenha havido assuntos de trabalho, também pudemos conversar sobre amenidades. Nesse quesito, os seating arrangements são fundamentais. Como de praxe em eventos do tipo, a mesa estava organizada alternando brasileiros e estrangeiros, de forma que fui colocada entre dois estrangeiros e de frente para outro.

O moço sentado à minha esquerda mora há menos de um ano no Brasil e foi muito interessante ouvir suas impressões sobre nossa gente. Segundo ele, o brasileiro é “oito ou oitenta”, e ele deu como exemplo o jeito de dirigir: em geral, o brasileiro dirige velozmente, mas quando passa por um radar diminui drasticamente a velocidade, para menos da metade da velocidade permitida na via. Quer maior verdade que essa? Pelo menos em Brasília, com suas vias largas e rápidas. Esse hábito me irrita profundamente no trânsito, porque, convenhamos, é um perigo, fácil provocar um acidente.

Ele também está com a impressão de que somos oito ou oitenta no item “diferenças sociais”: ou as pessoas são ricas e bem de vida ou são extremamente pobres, não existe o que ele chamou de “zona cinza”.

Ledo engano. Existe, sim, mas em Brasília é difícil ver isso. Ele mora num bairro onde todo mundo é bem de vida (inclusive ele, of course) e geralmente tem empregada. O Plano Piloto de Brasília é assim. Mas provavelmente nunca esteve em algumas cidades-satélites que estariam na zona cinza dele, como Sobradinho, Guará, Cruzeiro, Águas Claras, Taguatinga…

E ele ainda me contou que ama torresmo! Comeu um para experimentar e pôs para dentro quase meio quilo numa sentada. E o moço é magrinho, acreditem!

O papo sobre torresmo nos levou à cachaça. O coitado do moço que está há pouco tempo no Brasil experimentou cachaças com sabores. Desculpem, mas colocar sabor em cachaça é o fim. Diferente de fazer drinks, como a caipirinha, mas caipirinha boa mesmo é a de limão. A de kiwi e de lima são aceitáveis, o resto deixa a cachaça doce e enjoativa, no jeito para uma ótima ressaca! E ele me contou que gosta de caipirinha de maracujá, que maracujá é a melhor coisa que ele já experimentou. Viva a nossa biodiversidade!

Ele estudou português em seu país antes de servir no Brasil e continua estudando. E tem certa predileção por nossas expressões, como “oito ou oitenta”, “não é minha praia”, que ele fez questão de usar comigo enfaticamente. Então, decidi ensinar-lhe uma expressão útil, para preveni-lo de algum aborrecimento. Contei a ele que bateram no meu carro, na traseira, enquanto eu estava parada no sinal vermelho, e que o elemento não quer pagar o dano, inventa mil desculpas, não atende meus telefonemas, mas quando consigo algum contato, ele afirma com veemência que não vai fugir de sua responsabilidade. Em suma, o cara é o maior “um-sete-um”.

— O que é 171? — ele indagou. E a linda moça descendente de indianos sentada à minha direita, que mora no Brasil há três anos, começou a participar de nossa conversa. Expliquei que 171 é aquela pessoa que mente para tirar vantagem sobre alguém. No caso, o imb…, desculpem, a pessoa que me envolveu num acidente e inventou até câncer na família para obter vantagem sobre mim e escapar à sua responsabilidade. Perguntei se a moça já havia sido vítima de algum 171 e ela disse que não. Talvez foi e nem percebeu, coitada. Contei-lhes que a origem dessa expressão é o artigo 171 do código penal brasileiro, que tipifica o crime de estelionato, e que tem até samba que fala de 171.

Só para dar uma ideia, a intenção deles é fazer um acordo de livre comércio com o nosso país. Mas temos um empecilho: estamos amarrados ao MERCOSUL, não podemos fazer acordos de livre comércio com nenhum país sem levar nossos hermanos.

Quem sai perdendo? O Brasil, em tu-do! Porque os outros já não iam ter um acordo desses mesmo. Poderíamos usufruir de tecnologias de ponta com vantagens comerciais, como redução de impostos de importação, por exemplo, mas… Deixa pra lá.

No geral, eles gostam do Brasil. Eles quem? Afinal, quem seriam esses estrangeiros? Bom, uma colunista da KBR mora nesse país amigo desde que se casou com um… canadense! Sim, estive na Embaixada do Canadá, com pessoas muito simpáticas e que representam um país que quer estreitar os laços com o nosso. O problema, pra variar, é só Pindorama e seus acordos estranhos, que trazem pouco ou nenhum benefício para o nosso povo.

E antes que eu me revolte e cuspa marimbondos numa crônica que pretende ser mais leve, desejo um bom fim de semana procês!