Incontinência mineira

medalhaNa última terça-feira tivemos um feriado importante: comemoramos o Dia de Tiradentes, recordamos a Inconfidência Mineira. E eu, uma mineira no Planalto Central, não poderia deixar de me manifestar sobre esse dia.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é considerado um mártir da independência do Brasil, e foi o primeiro herói a ser reconhecido pela República recém-proclamada, sendo o 21 de abril feriado nacional desde 1890. A história da Inconfidência Mineira todos sabemos, mas a imagem de Tiradentes espalhada desde o final do século XIX, parecendo um Jesus Cristo a caminho da cruz, foi friamente elaborada.

A ideia era meio que santificá-lo mesmo, pois a república carecia de heróis. À época da Inconfidência, os presos tinham os cabelos e a barba raspados, para evitar infestações indesejáveis. Além disso, há quem diga que outro foi morto em seu lugar e que a maçonaria pagou por isso; como a cabeça do Tiradentes sumiu, não havia como identificar o corpo. São inúmeras as histórias para desqualificar Tiradentes e a Inconfidência Mineira, mas alguns fatos são inegáveis: os inconfidentes existiram e tinham um plano para libertar o Brasil da condição de colônia, convertendo-o numa república, inspirada nos ideais que dirigiram a Revolução Francesa.

Intrigas monárquicas à parte, o Dia de Tiradentes tem um significado especial para nós, brasileiros e eu diria que ainda mais para os mineiros – o lema dos inconfidentes figura na bandeira do Estado.

Juscelino Kubitschek, o Nonô, outro ilustre mineiro, homem de ação, tirou do papel a ideia de José Bonifácio de Andrada e Silva, importante personagem da independência. Brasília, a cidade-milagre realizada por Juscelino para ser a capital de todos os brasileiros, foi inaugurada no dia 21 de abril de 1960. O plano era coincidir com o Dia de Tiradentes, para que Brasília também fosse (e é) um símbolo de liberdade.

Aqui na capital, encontramos todas as gentes, todas as caras, todos os sotaques, todas as comidas e todas as culturas desse nosso Brasilzão. Esta é a maior riqueza da cidade: sua gente. Aqui todo mundo pode chegar. A Esplanada e a Praça dos Três Poderes, onde se concentram o poder da nossa república, são feitos para o povo, para manifestações de todo tipo. E o povo, a sociedade em seus diversos segmentos, vem sempre aqui; o espaço é nosso e somos livres para isso.

O céu é tão lindo, tão lindo, que músicos já o cantaram em seus versos, mas ninguém conseguiu ainda traduzir sua real beleza. O céu veste a cidade com todas as cores possíveis, desde o azul mais puro ao cinza-azul-escuro de uma tempestade, passando pelo rosa-por-do-sol-como-poucos. (Eu tampouco consigo traduzir essa beleza!)

Brasília tem ares de metrópole, mas é mesmo uma roça iluminada, como diz um amigo querido. Aqui o perto é longe, mas são bem poucos os graus de separação entre as pessoas.  Todo mundo se conhece ou conhece alguém que te conhece. Sair à noite para a balada é a única senha necessária para se encontrar as mesmíssimas pessoas. É quase uma cidade do interior, quem quiser fazer alguma coisa errada, tem que tomar cuidado!

A natureza ainda tem espaço. É muito comum vermos maritacas nesta época do ano, por exemplo. Quero-queros e corujas buraqueiras convivem com a gente numa boa, desde que não nos aproximemos de seus ninhos. Em setembro começa a sinfonia dos sabiás e das cigarras. Tucanos e pica-paus ainda podem ser vistos nas árvores ou voando. Colibris, curicacas e carcarás integram o nosso dia a dia. Ainda há espaços de cerrado em pleno Plano Piloto, o que torna a paisagem urbana especial.

Brasília, apesar de sua juventude, já tem uma identidade própria. E os grupos de rock que surgiram aqui na década de 1980, especialmente o Legião Urbana e o Capital Inicial, mostraram ao país inteiro a cultura que nasceu na Capital, a partir do encontro do povo do Brasil todo. “A Mônica de moto e o Eduardo de camelo” pode soar estranho aos ouvidos de muitos, mas a verdade é que quase todos aqui têm um camelo para dar umas pedaladas no Eixão aos domingos. Falando em Eixão, os endereços da capital são estranhos para os recém-chegados, mas são tão lógicos que ouso dizer que Brasília é o lugar mais fácil para se encontrar uma rua no Brasil.

Aqui se faz amigos, e para frequentar a Asa Norte basta ir às calouradas na UnB ou no CEUB. Já não vemos mais aquelas “festas de rock pra se libertar”, como havia na época da Legião, mas ainda se conhece muita gente interessante.  Somos tão livres que nesta cidade se ouve de tudo: sertanejo, axé, funk, zumba, bossa nova, MPB, gospel, chorinho… E, claro, rock também.

E é a maior verdade que “as ruas têm cheiro de gasolina e óleo diesel”, afinal, todo mundo precisa ter carro. É que o transporte público da Capital Federal deve ser o pior do Brasil. O metrô tem apenas duas linhas pequenas e poucos trens. Os ônibus são um absurdo: as latas velhas que não servem para outras cidades são despejadas aqui. E o sistema é tão desorganizado, que não dá para se planejar de acordo com os horários dos ônibus — estão registrados no papel, mas na prática, em muitos bairros, o motorista sai a hora que quer. Além disso, é quase impossível ir a alguns pontos ícones de Brasília pegando um ônibus só. Enfim, Brasília é a cidade-milagre cheia de problemas, como qualquer outra que não seja considerada “milagre”.

E voltando à nossa data festiva, vale a pena dizer que Minas Gerais se orgulha de seu filho Tiradentes e de todos os inconfidentes, entre eles grandes poetas e intelectuais que o Brasil teve a sorte de ver nascer aqui — homens de espírito patriótico, expressão da liberdade nacional. E nesse dia a capital do Estado é transferida simbolicamente para Ouro Preto, a antiga Vila Rica, palco da Inconfidência Mineira, lugar onde esses homens viveram e sonharam com nossa pátria livre. Nonô, que antes de construir Brasília foi governador de Minas (e construiu o Conjunto Arquitetônico da Pampulha em Beagá), reconhecendo a importância e o simbolismo do movimento do século XVI, criou em 1952 a Medalha da Inconfidência, comenda que homenageia personalidades que se dediquem a Minas e ao Brasil.

A inspiração para a homenagem e a lembrança do dia é perfeita, só tem um probleminha: as personalidades homenageadas são escolhidas pelo governador e sua equipe. E o atual mandatário mineiro, que até o ano passado era ministro no Governo Federal, fez umas escolhas um tanto “peculiares”: em meio à companheirada, o João Pedro Stédile, líder do MST. O (des)serviço que este cidadão e seu bando pago (com o nosso dinheiro) prestam ao Brasil conhecemos bem.

Socorro, deturparam a Medalha da Inconfidência! É a incontinência mineira!

Não bastou o PT desvirtuar Brasília com o aparelhamento da máquina pública federal e distrital e com tenebrosas transações. Tiveram também que blasfemar todo o significado da Inconfidência Mineira com distinções indignas dos ideais e do sacrifício dos Inconfidentes. É de amargar, e é muito triste que Minas tenha sido símbolo da vergonha nacional neste 21 de abril de 2015.

O governador mostrou seus verdadeiros parceiros para governar o Estado nos próximos três anos e sete meses. Infelizmente, posso imaginar o futuro de meu estado natal, porque é o presente que estamos enfrentando em Brasília, depois de uma administração desastrosa de alguns companheiros do governador mineiro.

E um bom fim de semana procês!