Três irmãos

Cristina Fernandez, Nicolas Maduro, Dilma Rousseff, Evo MoralesGolpismo, golpe: palavras que têm andado na boca de três dos cinco dirigentes do Mercosul: Argentina, Brasil e Venezuela, em ordem alfabética. Mera coincidência?

A Argentina, que no início do século XX era um dos países mais ricos do mundo, ruma atualmente à bancarrota total, impulsionada, nos últimos tempos, pela dinastia Kirchner. O primeiro Kirchner, o marido, até fez um bom trabalho, depois da tenebrosa crise de 2001-2002, apesar do projeto político considerado por muitos como autoritário. Seu projeto pessoal — e, por que não dizer, conjugal — era permanecer no poder por 20 anos, alternando-se com a primeira-dama-presidente. Mas ele morreu em 2010, e então a alternativa passou a ser o filho.

Ocorre que o projeto, agora familiar, tem como característica concentrar o poder político e econômico, e esta concentração é chamariz para a corrupção e o despotismo. Por sorte, a Argentina ainda contém instituições sólidas, que impedem que o autoritarismo se instale com força total.

O episódio da morte do procurador Alberto Nisman me impressionou muito. A população está indo às ruas, a família está se pronunciando, o substituto fez o que Nisman iria fazer: denunciou mesmo a presidente e outros mandachuvas por acobertar os responsáveis pelo atentado antissemita dos anos 1990, mas um juiz já rechaçou a denúncia. Vazaram na imprensa argentina mensagens de e-mail que Nisman recebeu entre 2012 e 2013, com ameaças a ele, à sua ex-mulher e às filhas.

Em meio a tudo isso, a mídia de oposição (esse negócio de mídia neutra é balela) emite opiniões, entrevista pessoas e mostra o caos, sem máscaras. O desespero da situação foi tanto que o chefe de gabinete da presidência simplesmente rasgou o jornal em frente às câmeras — mais um ato que se tornou ícone da linha autoritária que a “liderança” argentina vem tentando implantar. Sem sucesso, felizmente.

Exemplo disso é que em plena terça-feira de carnaval, só em Buenos Aires, 260 mil pessoas foram às ruas, sob forte chuva, silenciosamente, homenagear o finado Nisman. Todos acreditam que Nisman foi assassinado, e que o partido da situação está envolvido até o pescoço. À presidente, três dias depois do ocorrido, coube acusar tal marcha de “golpista”, golpe que teria sido orquestrado por juízes que tomaram o lugar dos militares, formando o que ela chamou de “Partido Judicial”, com o objetivo de desestabilizar o governo, que tem só mais 10 meses de (sobre)vida.

Cá pra nós, isso impediria a eleição do próximo da dinastia, não? Essa história do vizinho ainda vai dar muito pano pra manga, podem esperar!

No Brasil, as descobertas diárias de podres envolvendo pessoas da situação na Operação Lava-Jato fez com que a presidente de Pindorama e seu criador afirmassem que seu partido está sendo vítima de um golpe da oposição. Entretanto, parece mais golpe o que estamos sofrendo, ao tomar conhecimento das delações, não? Para nossa sorte, nossas instituições ainda estão sólidas; o governo não pode, por força constitucional, substituir os servidores públicos por militantes, como foi feito na Venezuela; e nossos deputados jamais vão se permitir perder sua “boquinha”.

Acho muito, muito difícil o nosso Brasil virar uma ditadura de novo, apesar de algumas manifestações recentes, minoritárias graças a Deus, pouco expressivas. A imprensa nacional, mesmo com todos os problemas, tem zelado pela liberdade de expressão, e o comando do país ainda não perdeu o controle, ainda não rasgou jornais de oposição frente às câmeras. Afinal, o prejuízo para eles seria imenso. A perda de controle oficial ficou no campo da fabricação de piadas, digo, mentiras, ao culparem o antecessor por todos os problemas da nossa mais amada estatal.

Isso, porque, dos últimos 20 anos, 12 foram governados pela grande decepção nacional, é só fazer as continhas. Recentemente, a revista Time publicou um artigo elencando as cinco razões que fazem o Brasil se aproximar da beira do precipício. Sabemos bem quais são, e isso assusta o mundo, já que somos a sétima economia global: (i) panorama econômico desanimador; (ii) falta d’água; (iii) as manifestações de 2013 por transporte e aumento da pobreza extrema; (iv) corrupção permanente; (v) perda de popularidade da presidente. A foto que ilustra a matéria, de 22 de dezembro do ano passado, mostra uma presidente bem preocupada, com as mãos na testa, tampando a face.

Penso um pouquinho diferente. A perda de popularidade da presidente me traz certa esperança, em que pese o comprometimento da governabilidade do país. Aqui no Brasil, o problema é a corrupção nua, crua e cruel, aliada à incompetência de dirigir uma nação grande e muito complexa, com enorme diversidade social e cultural.

Por outro lado, os da situação se mostraram bastante competentes para angariar votos (eu queria usar outro verbo, mas deixa pra lá), o que, aparentemente, lhes garantiu mais quatro anos. Aqui em Brasília, já sabemos para que buraco que estamos indo, pois somos testemunhas/ vítimas de uma administração distrital corrupta e incompetente, do mesmíssimo partido.

De um jeito meio torto, já que Simón em nada contribuiu para a nossa independência, vamos vivendo nosso golp…, digo, nosso bolivarianismo. Preparai-vos, concidadãos, porque o fim desses tempos será de amargar!

Agora, de todos os países do decadente Mercosul, o que se encontra em pior situação é a Venezuela. As primeiras providências dos bolivarianos chavistas, no caso do próprio Chávez, quando alcançaram o poder, foram alterar a constituição e substituir os funcionários públicos por militantes. Tiraram emprego de muita gente? Não. Aposentaram a galera jovem, com menos de 40 anos. E com boa remuneração, o que deve consumir uma grana tremenda dos cofres públicos.

A economia do país não é nada diversificada, gira em torno do petróleo. E tome incompetência: mesmo com as reservas que tem, a produção de petróleo da Venezuela caiu enormemente. Essa incompetência, aliada à queda de preços do óleo, fez o resto da economia do país ruir: a comida é controlada, o papel higiênico é controlado, o país convive com a escassez — uma lâmpada incandescente em Caracas, segundo apurou a Folha de São Paulo, está saindo por US$ 13.51. Acrescente-se a isso um ambiente completamente desfavorável a investimentos, já que a turma chavista simplesmente fechou fábricas de, digamos, ícones americanos. Isso é que é “geração de desemprego”!

Como se não bastasse, o chavismo incitou a luta de classes, no sentido mais literal do vocábulo “luta”. Consequentemente, a criminalidade aumentou, e a classe média venezuelana, ante tanta violência e carestia, tem como única alternativa se arrancar de lá, sob acusações de serem pessoas egoístas, antipatrióticas e, principalmente, ressentidas com a redistribuição de renda.

Engraçado, é a mesma coisa que falam aqui no Brasil, não? Que a classe média é contra o partido da situação porque perdeu privilégios, e são os pobres que estão ascendendo a esta classe social. No entanto, a fala inflamada de certa petista histórica, filósofa famosa, deixa bem claro “quem odeia quem”.

A imprensa venezuelana é totalmente controlada pelo Estado. Ser da oposição pode tornar o indivíduo um futuro herói (esperamos que a história faça jus, e assim os reconheça) — é o caso do oposicionista Leopoldo López, preso há um ano sem acusação formal, e tudo o que fazia era liderar protestos no país. E na semana passada, o prefeito de Caracas também foi preso, acusado de liderar uma conspiração, um golpe. Seu advogado declarou que a prisão do prefeito foi “decidida” com base em depoimento obtido sob tortura, e descreveu um local chamado “Tumba” no qual o suposto delator passou cinco meses preso.

Segundo o advogado do prefeito, a prisão apresenta diversas irregularidades. Lá, basta colocar-se contra a situação que a pessoa será presa — com chances de defesa, mas, ao que parece, com um processo de julgamento pouco ou nada imparcial. Isso, quando a pessoa não é friamente assassinada enquanto protesta…

Os três países irmãos têm muita coisa em comum — muitas riquezas, usadas, não em prol dos cidadãos, mas em favor dos bolsos de comando e dos caudilhos, ávidos por se perpetuar no poder. Os métodos são parecidos, assim como os objetivos e as justificativas. Pobres-coitados da situação, vítimas de golpismo.

Dentre os três, convenhamos, nossa situação parece ser a menos pior. O fato de termos uma constituição, que, de certa forma, protege as instituições nacionais, nos coloca melhorzinhos no cenário, especialmente ante o Mercosul. Recentemente, o presidente do Uruguai declarou, sem papas na língua, que “la Argentina no acompaña un carajo la integración regional” e que o líder natural seria o Brasil. O problema, no entanto, é nossa política externa. Uma parte de nossa derrocada econômica deve-se ao constante descumprimento dos acordos do bloco, especialmente por parte da Argentina, seguida da inércia de nossa diplomacia. A Venezuela, integrada ao bloco a fórceps em 2012, passados quase três anos ainda não se adequou nem fez as alterações legais requeridas. Mas tem poder de veto, igualzinho aos outros.

O fato é que se essa gente se ocupasse em melhorar seus países de fato não haveria qualquer preocupação com golpismo. O povo segue o dito “em time que está ganhando não se mexe”, mas, nestes três países, com sua iminente derrota, pelo menos no campo econômico, parece que as “comissões técnicas” pretendem mudá-los. Em todos eles, ao que parece, as manifestações continuarão acontecendo, aqui no Brasil a situação já levou um susto no ano passado.

Vou confessar: quero mais é ver o povo nas ruas! E um bom fim de semana procês!

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