Pasárgada é aqui

urna-agencia-brasilSempre me pego pensando como será que as gentes do futuro nos enxergarão. Naturalmente, as análises sobre o momento presente, que será para eles o passado, se basearão principalmente naquilo que se transformará em fato histórico, como, por exemplo, os presidentes eleitos, os desastres aéreos, só pra citar dois. Contudo, o registro de escritores, especialmente dos colunistas de periódicos conceituados e, quem sabe dos escritores de Singles (K), poderão fornecer uma visão mais próxima da realidade passada. Esses registros poderão servir de base para algum volume de “Histórias da vida privada do século XXI”.

E foi sonhando com essa posteridade (que na verdade não passa de uma efemeridade), que decidi listar algumas coisas que têm me incomodado ultimamente. Quem sabe alguém no futuro não possa se deparar com um arquivo perdido e nele encontrar o que realmente pensava uma cidadã comum do passado?

Dia desses, li que uma das presidenciáveis declarou que PT e PSDB se uniram contra ela. Oh, coitada! O dia em que isso acontecer, um deles estará no poder e o outro terá virado o PMDB. Não bastasse a completa falta de sentido no conteúdo da tal declaração, a candidata esperava o quê? Qualquer um que estivesse na posição dela seria bombardeado por todos os lados, e isso faz parte de qualquer jogo/ corrida eleitoral. É normal. Mas a coitadinha não pode sofrer ataques. E eis o primeiro item de minha listinha de irritáveis: pessoas que se colocam em posição de vítima sem o serem. Fora do cenário eleitoral, vemos isso todos os dias, nos mais variados campos e classes de nossa sociedade.

O segundo item de minha lista é irritante para a maioria das pessoas (e para mim também). Trata-se das mentiras. Mas piores que as mentiras, a meu ver, são as inverdades e as meias-verdades. A inverdade é uma distorção proposital da verdade. As meias-verdades constituem-se em afirmações parcialmente verdadeiras. O objetivo de ambos os artifícios é o mesmo: iludir as pessoas e escapar das críticas. A mentira é preto no branco, mas as inverdades e, principalmente, as meias verdades, se valem da verdade e enganam muito facilmente. E, cá pra nós, o que mais tenho visto nesta campanha são esses artifícios ardilosos, principalmente vindos da situação.

O terceiro item da lista, e que me irrita muitíssimo é quando me falam: “Ah, mas se você votar nulo ou branco, vai favorecer tal lado”. Desculpem-me, o “direito” é meu e voto da maneira que bem entender. Apesar disso, faço questão de explicar: se o segundo turno se confirmar como as pesquisas têm apontado, por que tenho que escolher entre duas opções que não me satisfazem, não me representam e nas quais não acredito? Para favorecer o lado que você (que está me dizendo isso) acredita? Acontece que minha vida inteira está pautada naquilo em que EU acredito, coincida ou não com o que a maioria acredita. E já que minhas escolhas são limitadíssimas (e terei que ir votar ou ter o trabalho de pagar uma multa), será que não posso arranjar um jeito de dizer “nenhuma dessas opções me serve”? Estou conformadíssima com meu status de jacu-baleado, mas não aceito abrir mão daquilo em que penso e acredito.

Para finalizar a minha lista, a pérola da vez: “Fala mal do Bolsa Família, mas faz uso do FIES”. O nome disso, meus amigos, é cobrança: se o governo do PT me “dá” algo, tenho que, automaticamente, apoiar tudo o que venha dele e, inclusive e principalmente, votar nele e desejar que se perpetue no poder. Quando estourou o escândalo do (primeiro) mensalão, estava eu pacatamente na banca de jornais da vizinhança, já pronta para pagar pelo jornal de domingo, quando um senhor, vendo as capas das revistas semanais, disse, alto e bom som: “O que mais esse povo quer, meu Deus? Fazemos tudo por eles e olha o que recebemos em troca!” Isso e a frase do FIES é tudo a mesma coisa. Mas é importante esclarecer: o governo não nos dá nada — pagamos impostos (e não é pouco) e esse dinheiro deve ser revertido em ações para o bem comum de todos os cidadãos brasileiros. Portanto, parece que a equação da pérola supracitada está bem equivocada: na verdade, nós, os cidadãos produtivos do Brasil somos os provedores dos recursos governamentais, e o governo, seja do PT ou do raio que o parta, tem a o-bri-ga-ção de investir em bens para a sociedade. Se um cidadão que paga por isso não está satisfeito com uma ou outra ou todas as ações do governo, ele tem, sim, o direito e quiçá o dever de criticar, ainda que receba algum benefício. Afinal, contribui para isso. Ademais, depois de formado, será produtivo e certamente trará um retorno para a sociedade. Aliás, ser capaz de analisar e criticar os fatos já é, pelo menos no meu entendimento, um bom retorno do investimento em educação, seja na forma de FIES, Ciência sem Fronteiras, etc. É, realmente, uma vergonha que um governo e seus apoiadores tenham uma postura como essa.

Penso que as opções dessas eleições não são exatamente irritantes. O que irrita, de fato, é a intromissão de alguns em questões que dizem respeito à maneira de ver das pessoas e de reagir à situação. De um jeito ou de outro, todos teremos que conviver com os mesmíssimos futuros problemas, “votando direitinho” ou não. Mas isso é viver em sociedade. Neste caso, uma sociedade de mais de 200 milhões de pessoas, dos quais cerca de 142 milhões são eleitores. Paciência. Pelo menos a urna eletrônica não vai dizer para ninguém “número invalido, digite novamente” até que se digite um número válido.

Falando em urna eletrônica, nosso Brasil varonil é o Primeiro Mundo em matéria de eleições. Nossa urna é tecnológica. Para isso, nosso sistema teve a agilidade necessária para que essa inovação chegasse ao alcance de todos. Já para gerar tecnologias que agreguem valor aos produtos brasileiros, capazes de diminuir o déficit da balança comercial e, consequentemente, se converterem em bens para todos os cidadãos, o Calvário é longo. Em resumo: o que interessa mesmo é voto. E isso abrange desde “dar” benefícios até promover inovações tecnológicas na área eleitoral. Para se dar bem, portanto, basta ser amigo do “rei”. Pasárgada, ao que tudo indica, é aqui mesmo.

 Publicado também aqui