Acting

downloadO último filme de Roman Polanski, “Deus da Carnificina”, ainda em cartaz em Brasília, é uma adaptação da peça de teatro homônima, de autoria de Yasmina Reza. Por essa razão, é um filme com poucos cenários e que valoriza imensamente a atuação do elenco. E que elenco! Jodie Foster, Kate Winslet, Christopher Waltz, John Reilly fazem o papel dos pais de dois meninos que brigam e um deles sai machucado. A partir daí, se desenvolve o enredo, repleto de críticas acerca da sociedade.

Os pais do garoto agressor, interpretados por Christopher Waltz e Kate Winslet, vão à casa dos pais do menino agredido não apenas se desculpar, mas resolver questões de ordem prática, como o tratamento dentário da “vítima”.  Evidentemente, não se trata de uma visita amistosa e, não havendo a devida objetividade para tratar a questão, discussões e problemas outros vem à tona.  Jodie Foster, mais uma vez brilhante, encarna um tipo de pessoa mais ou menos comum em nossa sociedade: um tipo natureba, desprovida de vaidade que, pedantemente, sempre afirma sua superioridade acerca das atitudes comuns dos grupos sociais.  Com esse tipo discurso, mas com atitudes bem opostas – na verdade, parece ser uma pessoa frustrada – Jodie Foster dá um show de interpretação. Christopher Waltz não fica atrás. O cinismo é a marca de seu personagem, um tipo bem diferente do temível Coronel Landa de Bastardos Inglórios (que alcança a pontuação máxima na escala de cinismo). Com o telefone celular tocando todo o tempo, Christopher Waltz resolve problemas de trabalho e não fica um minuto sem se comunicar com um tal de Walter – irritante. Kate Winslet interpreta a personagem que parece ser a pessoa mais equilibrada, mas perde a paciência com o pedantismo e as acusações disfarçadas da mãe do garoto agredido e com as constantes chamadas no celular do marido.  Já o pai do menino é um vendedor de vasos sanitários; esse é o ponto de partida que o diretor explora para classificá-lo como um looser, comparativamente ao outro pai. Mas a melhor cena do filme vai para Kate Winslet que vomita em cima de um precioso livro de artes da anfitriã. Não faço a menor ideia de como o vômito saiu da boca de Kate Winslet, mas posso dizer que foi uma tomada perfeita, bem real, capaz de causar-nos a repulsa comum deste tipo de situação.

O filme é uma crítica à sociedade e àquilo que é considerado como atitude civilizada. Facilmente nos deparamos com situações e assuntos que qualquer um de nós poderia vivenciar ou, porque não dizer, agir. É a ética humana posta à prova, de supetão, proporcionando-nos momentos de reflexão. No início, as ofensas são veladas, até se tornarem bem diretas e as mazelas dos relacionamentos e as frustrações pessoais acabam vindo à tona.

A genialidade de Polanski aliada a um elenco brilhante, capaz de contar uma história interessante do início ao fim, sem um pingo de ação, nos mostra não apenas o indiscutível talento dos atores, mas, principalmente, que um filme “cabeça” não precisa ser chato. E Polanski cumpre muitíssimo bem seu papel: discutir a hipocrisia da sociedade por meio da arte, fazendo um filme relativamente barato e com sustância, fora do circuito hollywoodiano. Pra ser sincera, gosto bastante de filmes de ação, mas prefiro aqueles que me fazem pensar. Ainda bem que há salas de cinema dispostas a exibir obras mais reflexivas, como “Deus da Carnificina”. Recomendo.