O limite da ciência

planetadosmacacosorigem_3O filme “Planeta dos Macacos: a origem” é uma ficção científica fascinante. Especialmente com relação aos efeitos especiais, já que o chimpanzé César foi interpretado pelo ator Andy Serkis, cujos movimentos e expressões foram incorporados a um programa de computador – César (e, creio eu, os demais primatas do filme, exceto os humanos) era virtual.  Isso por si só já é uma ciência fascinante! 

O filme é bom, tem boa fotografia e excelentes efeitos especiais, mas as atuações foram fracas, exceto de Andy Serkis e de John Lithgow, que interpretou o pai de Will – um papel secundário. Mas é inevitável que eu, como bióloga, reflita sobre o limite da ciência. O cientista Will, fracamente interpretado por James Franco, fez tudo o que um cientista não pode fazer e falhou no principal quesito de qualquer profissão. Penso que este quesito é o limite da ciência: a ÉTICA.

Um bom título para o filme, do ponto de vista científico, poderia ser: “Consequências da falta de ética na Ciência”.  Faltou ética quando Will testou a terapia gênica em seu próprio pai, sem os cuidados e os quesitos experimentais básicos concernentes a uma pesquisa clínica. Faltou ética e conhecimentos básicos sobre primatas silvestres (o biotério deveria ter um especialista competente) ao não perceberem que a fêmea Olhos Brilhantes estava prenhe e que fêmeas paridas ficam ariscas para proteger sua cria, como qualquer galinha choca com pintinhos.  Faltou ética ao ter em um biotério uma área experimental próxima e visível aos outros animais, o que ignora a recomendação mais básica de experimentação animal. Faltou ética ao acolher um chimpanzé em casa e não procurar um ambiente adequado para ele, ainda que sua inteligência fosse superior aos outros de sua espécie. Faltou ética ao armazenar um vírus de terapia gênica em teste na geladeira da própria residência, quando no laboratório, a manipulação deste vírus exigia alto nível de isolamento.  Faltou ética quando um companheiro de trabalho inspirou acidentalmente o aerosol do vírus da terapia gênica em um ambiente cujo nível de biossegurança era 3!!! Estavam todos de máscaras com filtros e a máscara do personagem Franklin caiu e não houve nenhum cuidado, nenhum isolamento da pessoa que respirou o aerosol com os microrganismos.  O nível de biossegurança 3 é utilizado em manipulações com microrganismos da classe de risco 3, o que pressupõe alto risco de infecção individual e risco moderado de infecção coletiva. Mais à frente no filme, com os sintomas da doença e sua capacidade de dispersão, percebe-se que o vírus utilizado era, na verdade da classe de risco 4, causador de febres hemorrágicas, tais como o vírus ebola. Foi isso que provocou a presumida quase extinção da humanidade.

Pelo filme, pareceu fácil conduzir estudos científicos com chimpanzés, o que não corresponde à realidade (graças a Deus!). O início do filme mostra como os primatas foram adquiridos, por meio do tráfico ilegal de animais silvestres (como na animação “Rio”), uma prática ainda comum nos dias de hoje, lamentavelmente. Foram mostradas também cenas de mal-tratos aos nossos parentes primatas que, confesso, me abalaram. Infelizmente, essa parte corresponde a uma outra triste realidade: está cheio de pessoas e instituições por aí que maltratam animais como se eles não sentissem dor ou medo…

Apesar de meu ponto de vista um tanto crítico (será que te assustei?), eu recomendo totalmente o filme, principalmente para quem gosta de ficção científica. Mesmo com todas as inconsistências que apontei, a história é emocionante, os efeitos especiais são fascinantes e o filme tem belas imagens. E, claro, é um ótimo aprendizado sobre como não se fazer ciência!