Preciosos conselhos

Cartas_a_um_jovem_poetaFoi com surpresa que ganhei de uma colega do trabalho, em dezembro passado, o livro “Cartas a um jovem poeta” de Rainer Maria Rilke, publicado pela L&PM Pocket. Não esperava tão doce manifestação de amizade, mesmo sabendo que Sumaya, como eu e ao contrário da maioria das pessoas em geral, adora ler! E, ao que parece, ela escolheu a dedo o presente: um livro que fala sobre a vida.  

Rainer Maria Rilke (1875-1926) é um dos autores de língua alemã mais conhecidos no Brasil. Particularmente, ainda não tive o prazer de ler nenhum de seus poemas, mas este livro de cartas de sua autoria mostra uma pessoa plenamente consciente do papel da arte e do que é ser artista. As cartas foram dirigidas a Franz Kappus, jovem poeta que em 1902 escreveu ao consagrado escritor em busca de conselhos. Franz Kappus seguiu a carreira militar e, ao que parece, não obteve tanto êxito em literatura – como a imensa maioria dos escritores. Três anos após o falecimento de Rilke, Kappus reuniu as cartas em um livro e assim presenteou a humanidade com as reflexões do também jovem Rainer Maria Rilke – à época das cartas, ele tinha entre 27 e 32 anos.  

Compreender o que vai n’ alma do poeta é compreender sua arte. E Rilke mostra toda a essência de sua alma nas cartas. Inicialmente, as cartas são sobre literatura, com o objetivo de responder ao que Kappus queria saber – se era suficientemente bom – mas depois elas tornam-se uma espécie de tratado sobre a vida.  

Ao responder Kappus, nas primeiras cartas, Rilke reflete sobre a arte e revela o segredo da criação de uma obra, além de mostrar que esta é uma arte solitária:

“Uma obra de arte é boa quando surge uma necessidade. (…) voltar-se para si mesmo e sondar as profundezas de onde vem a sua vida; nessa fonte encontrará a resposta para a questão de saber se precisa criar.”

“(…) justamente quanto aos assuntos mais profundos e mais importantes estamos indizivelmente sozinhos.”

Confesso que este sentimento de necessidade de escrever me tomou por completo no início do ano passado, depois de ler seguidamente mais de trezentos poemas clássicos de nossa literatura, reunidos na coletânea “Clássicos da Poesia Brasileira”. Foi quase um impulso… Já faz um ano que tive essa sensação e, até hoje, sinto essa necessidade que, talvez, me acompanhe até o fim de meus dias.  

Um precioso conselho para Kappus e, creio, para todos nós, escritores iniciantes e amadores, é sobre a crítica. Compreendi que sendo a arte concebida na solidão do artista, ninguém será suficientemente capaz de julgá-la, pois somente o autor sabe o que vai em sua alma:  

“(…) leia o mínimo possível textos críticos e estéticos – ou são considerações parciais, petrificadas, que se tornaram destituídas de sentido em sua rigidez sem vida, ou são hábeis jogos de palavras, nos quais hoje uma visão nos sai vitoriosa, amanhã predomina a visão contrária. Obras de arte são de uma solidão infinita, e nada pode passar tão longe de alcançá-las quanto a crítica.”  

Interessante que notei que alguns de meus comportamentos em relação aos meus escritos vão ao encontro do pensamento de Rilke: 

“Tudo está em deixar amadurecer e então dar à luz.”

Considero preciosos conselhos de Rilke: 

“Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não apressa sua seiva e permanece confiante durante as tempestades da primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois. (…) a paciência é tudo!” 

“É bom, antes de tudo, que se exerça uma profissão, porque isso o tornará independente e o entregará por completo a si mesmo, em todos os sentidos.”  

Sem dúvida, a solidão é um dos assuntos prediletos de Rilke e, certamente, sua maneira de viver estava atrelada a esse componente da essência humana. Rilke me pareceu aquele tipo de pessoa que cultivou a solidão, ainda que em meio à multidão. Quando Kappus graduou-se oficial, Rilke aconselhou-o:  

“O que é necessário é apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso.”  

“Apenas o indivíduo solitário é como uma coisa submetida às leis profundas, e quando alguém sai de casa durante uma manhã que se inicia, ou olha para fora ao entardecer carregado de acontecimentos, quando sente o que acontece lá fora, qualquer carga se desprende dele como de um morto, por mais que se encontre no meio da vida em sua plenitude.”

Sobre a solidão e o amor, escreveu Rilke:

“É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la. Amar também é bom, pois o amor é difícil.” 

“Quem observa com seriedade descobre que, assim como para a morte, que é difícil, também para o difícil amor não se reconheceu ainda nenhum esclarecimento, nenhuma solução, nem aceno, nem caminho.”  

Rilke refletiu também sobre a tristeza:

“Só são ruins e perigosas as tristezas que carregamos em meio às pessoas para dominá-las.” 

“Acredito que quase todas as nossas tristezas são momentos de tensão, que sentimos como uma paralisia porque não ouvimos ecoar a vida dos nossos sentimentos que se tornaram estranhos para nós.”  

“Não se observe demais. Não tire conclusões demasiado apressadas daquilo que lhe acontece; deixe simplesmente as coisas acontecerem.” 

“Não acredite que quem procura consolá-lo vive sem esforço, em meio às palavras simples e tranquilas que às vezes lhe fazem bem.” 

Rainer Maria Rilke faleceu aos 51 anos de idade e deixou uma importante obra poética. Sem imaginar o futuro, apenas “deixando simplesmente as coisas acontecerem”, deixou também esta inigualável obra em prosa, onde mostra um amadurecimento pouco comum entre jovens na mesma faixa etária, nos dias atuais. Em uma de suas últimas cartas, Rilke mostra o segredo da vida ao jovem Kappus:

“(…) é sempre o que eu já disse, sempre o desejo de que se descubra em si mesmo paciência o bastante para suportar e simplicidade o bastante para acreditar. Que ganhe mais e mais confiança para aquilo que é difícil, para a sua solidão em meio aos outros. De resto, deixe a vida acontecer. Acredite em mim: a vida tem razão, em todos os casos.” 

* Obrigada, minha cara amiga Sumaya, pelo carinho de sua amizade! Como pôde ver, A-DO-REI o livro!