O nascimento de José Mendibal Filho

O nascimento de Jose Mendibal Filho
Após uma noite de angústia e dores provenientes das fortes contrações, finalmente dei à luz meu bebê. Quando pude olhá-lo nos olhinhos ainda fechados, vi o porte altivo, tipicamente galês de seu pai, que devia estar orgulhoso!

Conheci-o naquele sábado primaveril em que consegui me desvencilhar das duras obrigações para com aquela velha e rabugenta senhora. Saí de Paris com a intenção de visitar mamã em Versalhes. Neste dia não quis usar muitas jóias, apenas dois solitários nas orelhas. Usava um vestido colante de Redfern, sem enchimentos ou volumes. Sentei-me em meu lugar no trem. O tempo estava seco e eu sentia necessidade de umedecer meus beiços todo o tempo, molhando-os com a ponta da língua. Antes da primeira parada, notei um cavalheiro de altivo porte a fitar-me. Fiz-me de cega. Mas quando o trem parou em Coubervoie, o cavalheiro, já próximo a mim, baixou o vidro e comentou sobre o calor de Paris. Balbuciei um par de palavras sobre a frescura do campo e achei por bem permanecer em meu pacato silêncio. Mas o cavalheiro queria conversar e suas palavras com sotaque ligeiramente inglês alcançavam meus ouvidos agradavelmente, de modo que quando o trem parou em Suresnes, o cavalheiro já estava sentado ao meu lado. Em Sèvres, enlaçamos nossas mãos. Foi agradável a sensação de minha mão pequenina e fria (apesar do calor) naquela mão grande e alva. Em Viroflay, o cavalheiro propôs-me um passeio pelo frescor de um recanto bucólico que ele conhecia próximo à estação. Poderíamos pegar o trem de duas horas para Versalhes. Não resisti à sua voz quente e máscula. Descemos em Viroflay.

De fato, o campo era de um frescor agradabilíssimo naquela manhã quente. Os aromas primaveris exalavam fortes em minhas narinas e tudo parecia conspirar… Paramos em uma taverna de janelas de madressilva e o gentil cavalheiro convidou-me a almoçar.  Inútil resistir ao tentador convite, principalmente porque já principiava uma fomezinha… O almoço, delicioso, proporcionou maior aproximação entre nós – talvez fosse o efeito romântico do vinho e do campo – e não tenho dúvidas de que este foi o melhor dia de minha vida, ali, na aconchegante alcova da tavernola. Antes de irmos de volta à estação, não mais para Versalhes, mas de volta Paris, olhei tudo ao meu redor, pois queria gravar em minha mente para sempre aquela alcova e a deliciosa e inesperada tarde de amor. Não quis perguntar-lhe o nome, mas ele suplicou-me que lhe dissesse o meu quando saltou em outro vagão do trem. Pensei rápido e reslvi dizer Lucie…

E nesta manhã aqui estou a fitar o filho daquele galante cavalheiro. Daquela tarde restou guardado dentro de um livro um dos cravos do ramalhete que ganhei do cavalheiro galês e que me serviu para presentear a Mendibal. Mendibal, meu bom marido, sente-se feliz e orgulhoso, pois “seu” filho nascera parecido comigo, com ares franceses. Nada tinha do porte argentino do sangue do pai, mas seu nome seria José Mendibal Filho. Pobre Mendibal! Em sua ignorância de novo rico, não soube distinguir a altivez galesa da soberba francesa… Minha sogra, como sempre rabugenta, olhou-me desconfiada, mas nada poderia dizer, pois sou sempre uma esposa zelosa e uma nora amável e dedicada. Melhor assim, pois posso guardar em meu coração as lembranças daquela bela tarde com o gentil cavalheiro galês…

Inspirado na Carta VI do livro “A correspondência de Fradique Mendes”, de Eça de Queiroz.

1 Response

  1. 07/27/2014

    […] Queiroz. A carta VI conta uma história hilária de adultério. Inclusive, inspirou-me a escrever um conto que figura entre meus textos. A carta XVII é a última do livro e o próprio Eça a escreve, terminando um relacionamento com […]