A essência humana

Foi uma surpresa encontrar em uma livraria o livro “A alma do homem sob o socialismo”, de Oscar Wilde, publicado pela editora L&PM Pocket. Surpresa porque eu conhecia o autor como romancista e dramaturgo, mas não imaginava que também havia produzido ensaios de cunho político. 

download (8)Principalmente porque Oscar Wilde era um dândi e gostava de festas um tanto apimentadas para seu tempo. Meus pré-conceitos caíram por terra. E foi ótimo, porque esta obra é inquietante. Que ensaio! Vou aqui dividir com vocês, caros leitores, um pouco de minhas impressões sobre o livro.

Publicado pela primeira vez em 1891, antes, portanto, da Revolução Russa, “A alma do homem sob o socialismo” é um livro atual e adequado ao século XXI. Nele, Oscar Wilde reflete sobre a natureza humana e sua vocação para as artes, filosofia e ciências. Contudo, o homem só poderá viver, de fato, sua vocação num regime socialista que lhe permita desenvolver o individualismo. Polêmico em vários pontos, Oscar Wilde mostra lucidez e um apurado senso crítico da sociedade da época ainda válido neste século XXI. Para ele,

“Socialismo, Comunismo ou que nome se lhe dê, ao transformar a propriedade privada em bem público, e ao substituir a competição pela cooperação, há de restituir à sociedade a sua condição própria de organismo inteiramente sadio, e há de assegurar o bem-estar material de cada um de seus membros. (…) [Mas] se o Socialismo for Autoritário; se houver governos armados de poder econômico como estão agora armados de poder político; se, numa palavra, houver Tiranias Industriais, então o derradeiro estado do homem será ainda pior que o primeiro.”


Parece que ele estava prevendo o futuro:

“Mas confesso que muitos dos pontos de vista socialistas com que tenho deparado parecem-me contaminados por ideias de autoridade, senão de verdadeira coação.”


Em sua reflexão de pouco mais de 90 páginas, Oscar Wilde exalta as artes, a ciência e a filosofia. Para ele, o controle da arte, das ciências e da filosofia, mesmo que na esfera popular, é um impeditivo para que o artista, o cientista ou o filósofo exerçam seu individualismo. Porque os poetas, os filósofos, os cientistas, os homens da cultura são “os verdadeiros homens, os que fizeram verdadeira sua individualidade e nos quais todo o Humano alcança uma parcela dessa verdade.” Oscar Wilde critica qualquer tipo de autoridade, inclusive e principalmente a popular. Para ele, o déspota Povo tiraniza o corpo e alma. Diz que “a única coisa que o público não gosta é inovação” e que ele “usa os clássicos de uma nação como meio de deter o progresso da Arte”. Pois a Arte “representa uma forma de Individualismo, uma afirmação por parte do artista de que ele mesmo escolhe o seu tema e o trata como lhe convém”.

Ele faz uma crítica tão lúcida da democracia que sua reflexão a respeito provocou-me uma sensação de déjà vu

“A democracia (…) quando usada com certa dose de amabilidade e acompanhada de prêmios e recompensas, torna-se assustadoramente desmoralizante.”

          

Gostei, especialmente, da concepção de Wilde acerca do trabalho braçal:

“Nada há de necessariamente digno nesse trabalho em sua maior parte alvitante. É prejudicial ao homem, do ponto de vista mental e moral, realizar qualquer coisa em que não encontre prazer e, muitas das formas de trabalho são completamente desprezíveis, e assim devem ser encaradas. (…) Todo trabalho desta sorte deveria ser feito por máquinas.E não tenho dúvidas de que o será.”

Penso até que será mesmo, mas minha geração não vai viver para ver isto. Já existem máquinas que substituem cobradores de ônibus, por exemplo, mas são pouquíssimo usadas com a justificativa de que seu uso gerará desemprego. É verdade, mas só é verdade porque nosso sistema não permite que todos tenham uma educação de qualidade, capaz de abrir novos horizontes para as pessoas e gerar empregos mais dignos e prazerosos. Só é verdade porque nossa democracia, infelizmente, está ancorada em prêmios e recompensas e o Estado se coloca como “pai” do povo. Só é verdade porque a maioria confunde individualismo com egoísmo. Só é verdade porque a maioria quer ser poderoso e não ser cooperativo e, especificamente os brasileiros, ainda querem levar vantagem sobre os outros.Meus caros leitores, como podem constatar, esta obra nos leva a reflexões e posso afirmar-lhes que eu poderia divagar em cada linha escrita por Oscar Wilde em seu ensaio. É um livro curto, de linguagem muito acessível e agradabilíssimo de ler, principalmente porque fala da essência humana e de sua vocação para a liberdade e a individualidade. Fica a sugestão para quem quiser ler um texto profundo, reflexivo e atualíssimo.