Independência ou morte!

Admito que adoro ler livros sobre História do Brasil. E foi com enorme prazer que li a obra de Laurentino Gomes, publicada pela Editora Nova Fronteira “1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado”.

download (9)Autor do premiado livro “1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil”, Laurentino acertou mais uma vez. Fácil e agradável de ler, “1822” é uma obra informativa (pelo menos para leigos como eu), pois o autor teve o cuidado de consultar fontes bibliográficas fidedignas, assim como entrevistar historiadores e pesquisadores especialistas nos assuntos abordados.

O livro abrange o período compreendido entre 1822 e 1834 e oferece ricos detalhes relacionados à Independência do Brasil. Traça o perfil de importantes personagens envolvidos nos acontecimentos de 1822: D. Pedro I (também D. Pedro IV de Portugal), a imperatriz Leopoldina, José Bonifácio de Andrada e Silva, a Marquesa de Santos e o mercenário Thomas Cochrane.A independência do Brasil e o que chamo de “Projeto Brasil” foram muito bem pensados e o cérebro de tudo isso se chama José Bonifácio de Andrada e Silva. Cientista reconhecido no mundo inteiro e com ideais maçônicos semelhantes aos do socialismo, José Bonifácio foi uma importante influência para D. Pedro I. Tanta influência fez com que Domitila de Castro do Canto e Melo, a Marquesa de Santos, afastasse José Bonifácio da política brasileira, embora isto não seja abordado no livro “1822”. Como todos nós sabemos, D. Pedro I juntamente com a Marquesa de Santos expôs a Imperatriz D. Leopoldina às mais terríveis humilhações. Para quem quiser saber mais sobre o tórrido romance do Imperador e a grande influência que a Marquesa de Santos exerceu no Primeiro Reinado, sugiro a leitura do livro “1813-1829: A Marquesa de Santos”, de Paulo Setúbal.

“1822” derruba o mito de que a Independência do Brasil ocorreu pacificamente. Não, não foi pacífica, houve uma guerra. Mas foi uma guerra razoavelmente rápida, graças à incompetência dos portugueses e à contratação de mercenários estrangeiros para combater na guerra, já que a nossa pátria amada, Brasil, não tinha forças armadas. Por essa razão, a contratação do almirante escocês Thomas Cochrane foi fundamental. Era um homem inteligentíssimo e um grande estrategista, mas cruel e sem escrúpulos. Por dinheiro, saqueava, matava e chantageava. Tornou-se um homem riquíssimo e foi sepultado com todas as honras em Westminster. Muitos brasileiros, homens livres e escravos morreram pelo Brasil, como diz o Hino, os verdadeiros herois da guerra. O livro também esclarece o quão cara nos custou a Independência. Não foi fácil ser reconhecido como nação e penso que os reflexos financeiros desse reconhecimento se estenderam até o século XXI.

Não há dúvidas de que a grande personalidade da Independência do Brasil foi D. Pedro I. Apesar de muito festeiro, mulherengo e impulsivo, não fugiu às suas responsabilidades e personificou a união do país, estratégia esta muito bem traçada por Bonifácio. Sem sua pessoa e a participação do Almirante Cochrane, não teríamos hoje o grande Brasil que temos. Impulsivo, D. Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte e outorgou a primeira constituição brasileira. A Constituição de 1824 era liberal e avançada para a época e perdia em modernidade apenas para a Constituição Americana. D. Pedro I era um homem de hábitos simples, trabalhador e tinha talento para música (compôs o Hino à Independência), mas era um poeta medíocre (ao contrário de seu filho, D. Pedro II). Comia mal, bebia bastante, dormia mal e frequentava lugares “suspeitos”. Não foi à toa que partiu desta para a melhor com apenas 35 anos, jovem, mas com aparência envelhecida, acometido por tuberculose, uma doença venérea e com o fígado e o baço muitíssimo debilitados. Numa época em que a crueldade para com os inimigos era lei, D. Pedro I era quase altruísta, pois perdoava seus inimigos com facilidade (principalmente se estes eram seus parentes) e anistiava prisioneiros de guerra.

D. Pedro I do Brasil ou D. Pedro IV de Portugal é reconhecido como heroi nos dois países, mas suas contribuições foram muito mais decisivas em Portugal, onde combateu o absolutismo na pele do próprio irmão, D. Miguel. Como já comentei quando escrevi sobre o livro “As barbas do Imperador”, o Brasil é uma pátria carente de herois. Além de D. Pedro I e D. Pedro II, penso que José Bonifácio de Andrada e Silva deve ser considerado um heroi da nação, pois ele projetou o Brasil atual e foi quem primeiro falou em liberdade e igualdade para todos. Parafraseando um ex-presidente, nunca antes na história deste país, alguém havia imaginado um Brasil com homens verdadeiramente livres, responsáveis e felizes, por meio do trabalho e da educação. Portanto, penso que “nunca antes na história deste país” é um termo que denota um raro narcisismo e, principalmente, um desconhecimento dos nossos mais de 500 anos de História (quase 200 deles como um país livre e independente).

Fica a sugestão de leitura. Penso que conhecer nossa História é o primeiro passo para termos consciência crítica sobre os tempos contemporâneos do nosso Brasil. Apesar do jeito um tanto autoritário de D. Pedro e das particularidades da época, ele foi o primeiro governante brasileiro que pensou em construir um país com valores de liberdade e igualdade, sob influência dos Andrada e Silva. Quase 200 anos depois, vemos que nosso país deu certo, apesar de tudo. Há poucos dias, temos uma mulher como governante suprema e sua posse foi repleta de simbolismos que exaltam a participação do povo brasileiro para que sua nomeação ocorresse. Apesar dos pesares, completamos 20 anos de democracia plena; temos liberdade total (podemos expressar livremente nossas opiniões sobre o governo e os políticos); todos, indistintamente, podem ir à escola (os resultados não são animadores, mas…); e ter direitos políticos plenos. Comparando-se com o quadro de 1822, estamos cada vez mais próximos do Brasil idealizado por José Bonifácio!