O último imperador

Depois de alguns meses, concluí a leitura do livro “As barbas do imperador”, de Lilia Moritz Schwarcz, publicado pela Companhia das Letras. Trata-se da tese de livre-docência da autora, que é professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo.
download (19)O livro, mais do que uma pesquisa histórica, é uma análise do segundo reinado brasileiro entremeada por passagens biográficas de Dom Pedro de Alcântara, o imperador D. Pedro II. Sempre admirei a figura deste grande estadista e sempre questionei porque os republicanos não esperaram seu falecimento para proclamarem a república.D. Pedro II teve sua vida dedicada ao Brasil. Nasceu para ser imperador e seu pai abdicou do trono quando ele tinha apenas cinco anos de idade, tendo sido então designado para o “cargo”. Passou a infância recluso em um palácio sendo educado para ser um imperador bem diferente de seu pai: deveria ser culto, inteligente, discreto e, ao mesmo tempo, amado por seu povo. Aos 14 anos assumiu o império. Aos 16, casou-se com a Princesa das Duas Sicílias, D. Teresa Cristina, uma decepção, já que os retratos que vira antes, nada tinham da real aparência da Imperatriz. Mas com o tempo, D. Pedro passou a aceitá-la e amá-la como esposa e imperatriz do Brasil. Evidentemente, as várias amantes que teve ao longo de sua vida o ajudaram nesta tarefa. A mais célebre delas, a Condessa de Barral, fora preceptora das princesas Isabel e Leopoldina, e recebeu toda a família real quando foram para o exílio na França.

Ao contrário do que ocorrera com seu pai, D. Pedro II é lembrado pelo que fez pelo Brasil, por suas virtudes, sua erudição, entusiasmo pelas artes, literatura e ciências e atenção ao progresso de sua nação. Uma de suas atividades prediletas, inclusive, era visitar escolas e ele tinha, por óbvias razões, especial apreço pelo Colégio Pedro II. Chegou a dizer que queria ser apenas um professor… Tudo isto se torna um paradoxo se considerarmos o quão demorou-se para abolir a escravidão no Brasil, mas os passos para a abolição da escravatura foram bem organizados. Primeiro foi assinada a Lei do Ventre Livre, durante a primeira regência da Princesa Isabel. Depois, com a Lei dos Sexagenários, o império dava mais um aviso aos proprietários de escravos que a libertação destes era questão de tempo e, finalmente, a 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea, também pela Princesa Isabel, que ficou conhecida a partir de então como a Redentora. Nesse momento, a monarquia ganhou a simpatia e a adesão dos ex-escravos, mas perdeu o apoio dos escravagistas, a maioria deles produtores rurais responsáveis, já naquela época, por boa parte do PIB brasileiro.

D. Pedro II sabia fazer política muito bem, valorizava os produtores de café com o título de barão, desde que pagassem por isso. Arrasou o Paraguai em uma guerra mais longa do que se esperava (até hoje o Paraguai não se recuperou) e projetou o Brasil mundialmente, por meio de suas viagens ao exterior (foram três). D. Pedro II fez o Brasil ser conhecido por seu exotismo, pela natureza exuberante, por sua gente diversa e pela erudição do único monarca das Américas.

Hoje, depois de ler este livro, concluí que eu era completamente extasiada por um mito e soube que o Marechal Deodoro da Fonseca até queria esperar a morte de D. Pedro II. A república não foi proclamada, como nos ensinam nas escolas, mas aclamada. Em meio a uma confusão, incluindo um boato sobre a prisão do Marechal Deodoro e um movimento que parecia uma agitação interna do exército, aí sim, a República foi proclamada na noite de 15 de novembro, sem direito a Marechal Deodoro em seu cavalo branco… No dia seguinte, o imperador e sua família foram comunicados de seu banimento, que ocorreu durante a madrugada, longe dos olhares do povo. Ato este muito bem pensado pelos novos dirigentes do Brasil, pois à luz do dia, era bem capaz que a população aclamasse o imperador e sua família e… Adeus república! A imperatriz Teresa Cristina não resistiu ao golpe, vindo a falecer em 28 de dezembro de 1889. D. Pedro II escreveu um soneto em sua homenagem nessa ocasião. Ele próprio não aguentou muito tempo, falecendo três dias depois de completar 66 anos, em 5 de dezembro de 1891. Foi depois de sua morte que iniciou-se o processo de mitificação do nosso ex-imperador. A França, nação-símbolo da República, prestou homenagens a D. Pedro II morto com honras de chefe de estado. Em seu sepultamento, todas as monarquias europeias prestaram-lhe homenagens. Nosso iniciante e inseguro governo republicano deve ter ficado apavorado com tantos elogios e lembranças positivas de D. Pedro II e tantas manifestações de pesar ao redor do mundo. O povo brasileiro chegou a ser considerado ingrato por ter expulsado de seu país um ancião sábio, um estadista que levava o Brasil ao progresso. Somente em 1921 é que foi permitido o traslado dos restos mortais de D. Pedro II e de D. Teresa Cristina, bem como o retorno da família imperial ao Brasil. A Princesa Isabel  não retornou à Pátria, por já encontrar-se impossibilitada de mover-se e veio a falecer no final do ano de 1921. Seu marido, o Conde D’Eu, faleceu em 1922 durante a viagem para as comemorações do centenário da independência do Brasil.

Outro ponto muito interessante da obra é a descrição detalhada dos costumes da época, do comportamento das pessoas, das festas, feriados e datas comemorativas. Tudo isso incrementado por textos de estrangeiros (artistas, naturalistas, diplomatas) que estiveram no Brasil e escreveram suas impressões. Para ser sincera, essas impressões, na maioria das vezes, eram ruins, mas nos ajudam a compreender melhor a sociedade em que vivemos.

Sem dúvidas, o Brasil é uma nação jovem, carente de heróis. Descobri também durante esta esclarecedora leitura que Tiradentes foi feito herói nos primeiros anos da república. E hoje considero D. Pedro II um herói da nação, o que não quer dizer que eu seja favorável à monarquia, até porque é inconcebível, na atual conjuntura social do país, sustentarmos uma família real (apesar de sustentarmos “famílias” que não possuem  absolutamente nada de realeza). Sou, sim, favorável à memória de nossa história, ao reconhecimento daquele que se declarava “rei-cidadão”. Num momento político tão pobre de verdadeiros estadistas, de governantes preocupados com o bem-estar de seu povo, D. Pedro II é o exemplo de cidadania, de governo sem autoritarismo (apesar do Poder Moderador), sem demagogia, atento ao progresso e aliado das artes, literatura, ciências e educação.

Finalmente, posso dizer que, apesar de suas mais de quinhentas páginas, esta obra merece ser lida e divulgada. Demos vivas à sua autora pelo trabalho de alto nível, pela pesquisa de excelência que desenvolve e, principalmente, por dividir seus conhecimentos com leigos curiosos como eu.