A chuva

 

A chuva

Passei meus dias com um frio na barriga que só sentem aqueles que esperam um grande acontecimento. Sim, ele estaria de volta ao Brasil e agora, separado da francesa com quem vivera durante os últimos anos, talvez pudéssemos viver aquele grande amor sufocado um ano antes.

Fiquei esperando ele me ligar e nada, só o frio na barriga cada vez que o telefone tocava. Bom, mudar-se de país não é fácil. Além disso, havia os pais dele, irmãos, sobrinhos, todos querendo vê-lo e ouvir suas histórias… Certamente, quando a poeira da chegada baixasse, ele me ligaria.

E eis que este dia chegou. Quase perdi o ar quando ouvi sua voz me chamar de “Xu” do outro lado da linha. Combinamos de nos encontrar num café nos Jardins. Eu estava com muitas saudades, queria muito vê-lo. Ele estava o mesmo de um ano antes, só mais calvo. Abracei-o com vontade. Sentamos. Ele pediu um café macchiato e eu um milk shake, estava um calor! Ouvi todas as novidades, como havia sido a defesa do doutorado e sua separação. Saímos dali e fomos para a casa dele. Fizemos amor furiosamente a tarde toda. Ah! Como eu me senti bem! O prazer de fazer amor com quem se ama é indescritível. Conversamos mais, brinquei com os cachorros, tomamos banho e saímos para jantar.

Fomos a um restaurante chinês. Depois de uma tarde inteira de muita atividade física, incluindo malabarismos ao estilo do Kama Sutra, eu estava faminta. Ao sairmos do restaurante, chovia copiosamente. Muita chuva. Ele quis saber para onde íamos e eu respondi, docemente: “Leve-me para casa. Não posso dormir fora hoje…” Ele beijou-me no rosto e, enquanto o esperava buscar o carro, vi que a chuva era para alagar. Era um temporal. Entrei e disse a ele o melhor caminho para casa – estávamos muito longe e muitos lugares na cidade certamente estariam alagados. Foi quando ele me disse: “Se por acaso me vires ou ouvires falar de mim com outra pessoa, não te assustes”.

O caminho para minha casa nunca fora tão longo. De fato, tivemos que fazer vários desvios de nosso trajeto. Correntes de água jorravam como rios caudalosos. Os postes ficaram sem luz e as ruas eram iluminadas apenas pelos faróis dos poucos carros que ousavam circular naquele temporal. Não se enxergava nada, tudo era escuridão e eu ainda não tinha entendido o que ele dissera. Como assim? Se eu te vir com outra pessoa? Resolvi silenciar. Era difícil entender como, depois de uma tarde daquelas, de momentos ímpares de cumplicidade, amor, entrega, ouvir ele me dizer “se me vires com outra…”. Não tinha ele acabado de se separar? Um ano antes eu já não tinha feito o papel de amante?

Foi difícil, pela chuva e pelo clima dentro daquele carro, mas finalmente chegamos. Ainda chovia muito e me apressei em sair. Ele segurou-me pelo braço, sorriu um sorriso doce e beijou-me nos lábios. Eu deixei-me beijar. Depois, ele disse-me, piscando marotamente o olho direito: “Te ligo depois, minha Xu.”. E eu saí do carro. Já não importava mais se chovia e eu estava me molhando. Na escuridão das trevas, eu apenas engolia o nó que ficou preso na garganta.