A aventura de Astolfo

Astolfo


     – Astolfo, o que lhe aconteceu? – perguntou a mãe, aflita. – Você saiu para colher néctar e demorou tanto para voltar. E ainda voltou assim, sem cauda, meu filho! Algum predador lhe perseguiu?
     – Não, mãe – disse Astolfo. Aconteceu-me a coisa mais estranha deste mundo!
     Foi então que Astolfo notou que a mãe estava rodeada dos colibris da vizinhança. Colibris nunca se reúnem, mas sua mãe estava tão aflita que toda a vizinhança se achegou para ajudá-la. Todos o olhavam assustados e preocupados. Fitou o rosto de sua mãe e viu uma lágrima sair de seu pequenino olho direito e escorrer pelo biquinho fino, delicado, mas longo.
     – Meu filho, nesta temporada de acasalamento, com esta sua aparência, não haverá colibrizinha que queira ser cortejada por você! – disse a mãe preocupada, com os olhos marejados de lágrimas.
     – Mãe, se eu ficar uma temporada sem namorada, não tem problema. Eu, por muito pouco, estaria morto!
     Ouviu-se um sonoro “Oh!” entre os presentes na ramagem do hibisco. Astolfo continuou:
     – Saí para colher néctar. Todos sabem que nesta época é muito difícil conseguir comida. Está muito seco e quase não tem flores. Mas avistei umas flores grandes e belamente coloridas, muito vistosas. E fui até elas. Tive que entrar em uma espécie de túnel para alcançá-las, mas qual não foi minha surpresa ao descobrir que não eram flores de verdade! Eram feitas de um material duro, sem cheiro, sem gosto e não havia sequer uma fontezinha de néctar!
     Os outros colibris fitavam Astolfo curiosos. Naquela época do ano era comum depararem-se com flores secas. Mas flores duras, sem nenhum cheiro ou gosto ou sem fontes de néctar secas, era de fato, muito estranho.
     – Então quis ir embora. Enchi meus pulmõezinhos de ar e voei. Mas trombei em alguma coisa lisa, fria, dura e transparente. Não sabia o que era. Eu via as árvores, via outros pássaros, via moscas, via gigantes, até ouvia todos os sons do outro lado, mas não conseguia sair. Não consegui encontrar o túnel por onde entrei e foi então que me dei conta de que estava preso em outra dimensão, dentro de um ninho de gigantes…
     Ouviu-se um sonoro “Oh!”, seguido de murmúrios. Todos estavam muito curiosos. Acreditavam que existia outra dimensão, mas nenhum colibri conhecido havia conseguido entrar e voltar vivo para contar como era. Astolfo prosseguiu:
     – Entrei em desespero. Tentei em vão transpor aquela barreira, mas como era dura! Era, sim, transparente, mas eu não conseguia passar para o outro lado. Cansado de tentar, fiquei em um cantinho fresco descansando. Então, de repente, ouvi um barulho forte. Assustei-me muito quando vi dois gigantes se aproximando de mim. Tentei, em vão, transpor a barreira. Um dos gigantes que parecia uma fêmea tentou me agarrar. Lutei com todas as minhas forças. Vi que ela não me alcançaria se eu ficasse bem no alto, mas eu estava cada vez mais cansado e mais fraco e não consegui me manter no alto da barreira. Então, ela conseguiu me pegar, mas vi que não me apertou. Pareceu que tomou cuidado para não esmagar meus ossinhos. Escapuli daquelas garras coloridas e, no desespero, soltei todas as penas de minha cauda e com todas as minhas forças joguei-me naquela barreira dura, fria e transparente!
     – Oh! – exclamaram os outros colibris. Os olhos vidrados em Astolfo.
     – A gigante continuava tentando me pegar e eu me esquivava dela de todas as maneiras. Até que ela conseguiu me prender com suas garras. Em vão, tentei agredi-la com meu biquinho. Meu coração nunca havia batido tão forte, em toda a minha vida! “É o meu fim!” – pensei.
     – Mas como você conseguiu escapar da gigante, Astolfo? – perguntou, curioso, seu irmãozinho mais novo.
     – Isso é que é estranho. Quando dei por mim, vi na minha frente o túnel por onde havia entrado. De repente, a gigante estava com as garras abertas e, num reflexo, voei com toda a velocidade de minhas asinhas! E alcancei novamente essa dimensão. Nunca voei tão rápido em toda a minha vida. Agora estou em segurança…
     Todos os colibris do hibisco viram o estado físico de Astolfo. As penas de seu corpinho delgado estavam arrepiadas e sem brilho e sua cauda não tinha uma penugem sequer. A mãe de Astolfo estava orgulhosa da bravura do filho:
     – Astolfo, nunca antes na história de nosso hibisco um colibri conseguiu voltar vivo de outra dimensão. Você é um colibrizinho iluminado, meu filho!
     As colibrizinhas presentes naquele ramo do hibisco olhavam Astolfo com admiração. Bia, a colibrizinha mais bonita do hibisco, trouxe para Astolfo um pedaço de folha com uma gotinha de água:
     – Eu vi um gigante jogando água na folhagem do outro lado. Trouxe para você, Astolfo!
Astolfo bebeu a água, agradecido. Até aquele dia, Bia o desprezara. Agora, servia-lhe água.
     – Astolfo, gostaria vir para o meu ninho nessa temporada de acasalamento? – indagou Bia piscando os olhinhos brilhantes.
     – Oh, claro que sim, Bia! – disse Astolfo com um sorrisinho feliz.

                A bravura e a coragem valem mais do que a beleza.