Uma verdadeira democracia

 

Uma verdadeira democraciaEm pleno carnaval brasileiro, cada um curte como mais gosta. Meus tempos de bailinhos e blocos são doces lembranças. Hoje em dia, me dedico a programas mais light, e o preferido é cinema, principalmente os filmes concorrentes ao Oscar. Começamos nossa saga com “The Post —a guerra secreta”.

Em que pese o filme conte a trajetória de superação de uma mulher em tempos machistas — nem vou comentar a respeito, porque o Prof. Rodrigo Cássio Oliveira o fez magistralmente, num artigo no Estadão —, é impossível passar batido do contexto político e social em que a história se passa. Assuntos que nos são caros foram abordados com força na obra de Steven Spielberg: a liberdade de imprensa e a separação dos poderes.

Apenas para situar o leitor, no início dos anos 1970 o governo dos EUA processou o jornal The New York Times por revelar documentos top secret relativos à guerra do Vietnã. Aqui cabe lembrar que esta foi uma retumbante derrota dos EUA, em intermináveis 15 anos. Os tais documentos mostravam a interferência do governo no país asiático e a perda de vidas de jovens americanos numa guerra há muito perdida. A imprensa entendeu que era seu dever revelar isso ao povo americano que sofria a morte de seus filhos. Revelou que o governo insistia numa guerra apenas para não admitir a derrota, sacrificando a juventude e a força de trabalho do país.

Sob o argumento de que revelar tais documentos prejudicava a defesa de toda a nação, o governo Nixon tentou calar a imprensa, por meio de liminar judicial. A essa altura, o The Washington Post, se envolveu e revelou mais detalhes à população. No rastro desses veículos, outros jornais dos EUA também publicaram mais detalhes. Enfim, foi um efeito em cascata, pois toda a imprensa e o povo entenderam o que estava em jogo: a liberdade e a possibilidade de todos poderem tomar conhecimento de decisões governamentais que afetavam cada lar, cada família, toda a nação.

O povo foi às ruas em defesa dos jornais e, principalmente, da liberdade de imprensa. A Suprema Corte dos EUA teve que decidir. E a decisão final foi favorável aos veículos de notícias. Vejam: a Suprema Corte, a maior instância de um dos poderes de uma nação democrática, não cedeu à pressão política e governamental e compreendeu o sentimento do povo em relação ao julgamento e aos acontecimentos.

Bom, como não pensar nesse nosso Brasil de hoje? Enquanto os doutos membros do nosso Supremo amam proclamar que “o Supremo não pode simplesmente ceder à pressão popular”, a Suprema Corte dos EUA entendeu o clamor do povo há quase 60 anos, não cedeu à pressão política e fez valer a democracia — tipo de governo em que o povo exerce a soberania. A decisão da Suprema Corte dos EUA, naquele ano de 1971, mostrou ao mundo a verdadeira soberania de um povo.

Uma coisa é desejo popular, outra é compreender o sentimento do povo dentro do contexto. As ruas americanas do início dos anos 1970 clamavam por liberdade. O povo brasileiro neste início do século XXI clama por justiça: que cada criminoso pague pelo delito que cometeu. Que povo quer ver bandido solto passeando no shopping? Em casos como esse, o “desejo popular” certamente encontra amparo na Constituição.

A liberdade de imprensa e de expressão é um pilar essencial de qualquer nação que se diga democrática. Poder dizer o que se pensa, ir atrás do fato e informar à população, ou apenas expressar um ponto de vista — como fazemos aqui no Crônicas da KBR — nos permite participar da vida política do nosso país, do nosso estado, município ou do bairro, da rua, da escola, da universidade, whatever. A liberdade de expressão e de imprensa nos dá oportunidade não apenas de tomar conhecimento dos fatos, mas também de pensar sobre eles.

Não podemos nos esquecer de que um dos pilares do programa de governo do PT e, creio, da esquerda em geral, é o controle da imprensa, sob o eufemismo de “regulação da mídia”. Essa liberdade de que dispomos hoje pode ser cassada. Se tivermos a esquerda eleita, essa será uma das primeiras providências, podemos apostar.

E esperamos, sinceramente, que nossa Suprema Corte seja capaz de compreender o clamor do povo brasileiro dentro da realidade atual. Apesar de algum progresso recente, convenhamos, difícil, viu? Ainda falta muito, mas muito mesmo para que sejamos uma verdadeira democracia.