Compêndio de besteirol

Compêndio de besteirol   Fiquei sabendo de uma jovem celebridade que, do alto de seus 22 aninhos, lançou um livro que, além de poesia de autores brasileiros contemporâneos — a agradável surpresa da “obra” — está recheado de clichês típicos de autoajuda, conforme uma resenha. Não conheço a celebridade, muito menos vou perder meu tempo lendo este compêndio de besteirol — a resenha foi bem convincente, tinha até citações —, mas esse fato traz à tona uma característica de nosso tempo: a necessidade que as pessoas têm de “ajudar” os outros.

O que uma menina de 22 anos praticamente criada em berço de ouro teria a ensinar? A garota é riquinha, “atriz” global e tem um sobrenome, digamos, de estirpe. Enfim, atributos que tornam a vida de qualquer pessoa fácil, ante o mundo em que vivemos. Naturalmente, suas experiências de vida são importantes para ela, mas o que ela viveu de tão espetacular a ponto de ter algo imperdível para ficar registrado para a posteridade?

Muito diferente é a garota dois anos mais jovem, Malala Yousafzai, que desde criança teve que lutar contra um sistema terrível para poder… ir à escola! Perseguida pelo talibã, Malala não deixou de lutar pelo direito das mulheres paquistanesas à educação — um direito simples, básico para qualquer brasileiro. Levou um tiro na cabeça aos 15 anos, encomendado pelos dominadores que não aceitavam suas ações em defesa das mulheres. Resta claro que Malala, do alto de seus 20 anos, tem muito a ensinar para o mundo todo e é merecedora da láurea do Nobel da Paz. O livro de Malala não é pretensioso: conta sua história, sua vida cheia de percalços e obstáculos que ela precisou ultrapassar, incluindo lutar pela própria sobrevivência. A luta de Malala foi gratuita, não cobrava nada das mulheres que tentava ajudar. Agora, ela ganha dinheiro de quem não precisa de sua ajuda e investe a grana na sua causa.

Já a “ajuda” que a global com pedigree oferece é, simplesmente, a si própria. Vejam só: o livro está à venda, o que significa que ganhará dinheiro com isso — o pior é que tem gente que paga para ler clichês. Seus seguidores nas redes sociais (não são poucos: duas dezenas de milhões) apenas dão munição para que ela “arrecade” anunciantes que a patrocinam em troca de propaganda das marcas. Um jeito relativamente fácil de ganhar um bocado de grana.

Essa onda de autoajuda está crescendo muito no Brasil — assustadoramente, eu diria. Gente despreparada, posando de “ser luz e inspiração na vida das pessoas” que as pagam para isso. Vivem sempre cheias de “gratidão”, claro. Falando sério, gente, chega a dar medo. Sei lá, talvez seja até um estelionato.

O negócio parece rentável. Porque “ser luz na vida das pessoas” requer “preparação” — quem inventou isso deve ganhar uma fortuna em “royalties” —: inúmeros cursos de “psicologia”, que não tornam ninguém psicólogo, óbvio. Não nos esqueçamos de que o psicólogo é um profissional com uma graduação de quatro anos, com estudos aprofundados sobre o cérebro e a mente, atendimento clínico e tudo o mais. E não pretendem “ser luz”, nem “inspiração” para ninguém.

É muita pretensão alguém querer dar iluminação a outros. Só Jesus salva, mas tem muito aproveitador querendo dar uma de salvador de gente que se acha problemática. Aliás, um prato cheio. Todo mundo gosta de dar pitaco nos problemas alheios, não é mesmo? Ganhando dinheiro, então, melhor ainda!

Apesar de tudo, penso que esses novos “baluartes” da autoajuda provam um ponto que é sempre motivo de discussão em minha casa: acredito verdadeiramente que pouca gente precisa de tratamento profissional (psicológico) para resolver problemas, sendo que a maior parte dos problemas, no fundo, nem existe. É preciso algum esforço para por ordem nas ideias, traçar metas e seguir o rumo, chegar aonde quer. Basta ter firmeza para viver.

Onde foi que as pessoas perderam a estâmina para a vida? Desde quando precisamos da “luz” emanada de outras criaturas tão ou mais problemáticas do que nós? Por que nos inspirarmos em pessoas tão comuns, que não têm nada de extraordinário? Ninguém mais se inspira em Gandhi, Mandela, ou em D. Zilda Arns, que colocavam seu conhecimento e habilidades a serviço de algo maior e realmente importante?

O livro da vazia celebridade brasileira é apenas um dos inúmeros compêndios de besteirol espalhados na internet na forma de blogs, vlogs, perfis nas redes sociais etc. Todos querendo apenas ganhar dinheiro.

Aqueles empenhados em ajudar, que acreditam e lutam por algo que realmente valha a pena, fazem tudo de graça. Taí a Malala Yousafzai, que inspira milhões de pessoas, sem nunca ter pretendido ser “luz” ou “inspiração” para ninguém.  #prontofalei