De golpe em golpe, de impeachment a impeachment

De golpe em golpe, de impeachment a impeachment

A Família Imperial no vapor Gironde, partindo para o exílio, em 1889.

O feriado da última quarta-feira foi para comemorarmos a “proclamação” da República. A palavra “proclamação” está entre aspas porque não foi bem assim. Quem leu, pelo menos, a obra “1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia a Proclamação da República no Brasil”, de Laurentino Gomes, sabe que a dita proclamação foi um golpe militar. Não passamos de uma republiqueta que começou de um golpe e seguimos aos trancos e barrancos, de golpe em golpe e de impeachment a impeachment.

Mas é o livro “As barbas do Imperador”, tese de livre-docência da Profa. Lilia Moritz Shwarcz, que nos mostra com primorosos detalhes como se deu a tal “proclamação”. É uma obra um pouco difícil de ler, porque é acadêmica, bem técnica. No entanto, considero uma leitura imprescindível para quem gosta de História. Trata-se da biografia de D. Pedro II e nela, obviamente, não pode faltar o golpe da república, já no fim da vida do imperador.

Como sempre, os privilegiados, os ricos, não aceitaram um avanço, um passo à frente que o Brasil precisava dar: acabar com a escravidão. Fomos o último país a dar esse passo humanitário. Prejuízo para os donos de terras: muito mais barato ter escravo do que pagar decentemente um trabalhador. Infelizmente, até hoje, mais de um século depois, há fazendeiro e outros donos de negócios que ainda pensam assim.

Pois bem, parte dessa gente insatisfeita, que já dominava a política, patrocinou o golpe. Os militares, por sua vez, já estavam “por aqui” com a monarquia, devido ao imenso degaste na guerra do Paraguai, que teve o Conde D’Eu como um dos comandantes, aliás, péssimo. Sendo o Conde o marido da herdeira e futura Imperadora que, por sinal, assinou a Lei Áurea, o cenário era de descrédito com a monarquia, um regime de privilégios quase que por definição. Contudo, o império dos Bragança era bem democrático: era permitido existir um partido republicano e ninguém era preso ou sofria qualquer outra sanção por falar mal do imperador ou desenhá-lo em charges depreciativas. O poder moderador, previsto na Constituição vigente à época, nunca foi utilizado pelo mandatário.

Pedro II, que modernizou o Brasil e colocou nosso país no mapa do mundo — antes, não passávamos de uma imensa floresta —, já estava velho e sem força no parlamento ou com os apoiadores do regime monárquico. Assim, não conseguiu estancar a crise, também porque a Princesa Isabel não tinha a simpatia desses grupos. Era tida como uma carola submetida ao marido, o que não é verdade. Aliás, a história do casal Isabel e Gastão é lindíssima, eram verdadeiras almas gêmeas.

Bom, todo esse ambiente fez o golpe florescer. O Marechal Deodoro da Fonseca era monarquista e acabou se deixando levar pelas circunstâncias. A família real teve que ser expulsa do Brasil de madrugada, porque o povo — que não teve nenhuma participação no “processo” — amava seu imperador e toda a família. Temia-se que, à luz do dia, o golpe não se concretizasse pela aclamação do povo a D. Pedro II e família.

Os novos governantes desconstruíram os heróis brasileiros e impuseram outros. D. Pedro I, responsável pela independência do Brasil e pai de D. Pedro II, passou a ser pintado como um homem desonrado, preguiçoso, aventureiro, beberrão e, claro, adúltero. Tiradentes virou grande herói da noite para o dia. Para “colar”, foi pintado à imagem e semelhança de Jesus Cristo — só faltou a coroa de espinhos. Não que Tiradentes não merecesse figurar no panteão dos heróis da pátria, não é isso, mas foi apelação, verdade seja dita.

A Velha República tratou de manter os privilégios daqueles que os estavam perdendo com a monarquia. Algumas revoltas populares, com forte apelo antirrepublicano, como a revolta de Canudos, por exemplo, mostraram que o povo não havia se esquecido de seu imperador, da família real. O início da república tem, entre suas características, forte repressão popular e manutenção de privilégios às elites.

Com a república, criou-se outra classe privilegiada, uma nova elite: a dos políticos. Aí começa um capítulo que conhecemos bem, já que somos as vítimas preferenciais dessa classe. Os demais golpes — fim da Velha República, Estado Novo, golpe de 64 — tiveram apoio de parte da classe política e foram todos feitos por militares. Destes golpes, somente o Estado Novo não teve participação popular. E depois da última redemocratização, já somamos dois impeachments.

Enfim, chegamos ao 128º aniversário da República, mais uma vez, em situação tensa. Os privilégios andam à toda: foro por prerrogativa de função, confortos desnecessários, e — a cereja no bolo — a “semana do saco cheio” dos parlamentares, que tiraram o período de folga como “parte das comemorações” do supracitado aniversário. Sem descontar no salário, claro!

Às vezes, fico pensando: como seria o Brasil se não houvesse ocorrido o primeiro golpe? Ainda seríamos um império monárquico? D. Luiz Gastão seria nosso imperador e teríamos um regime parlamentarista, a exemplo da Inglaterra, da Espanha, da Holanda?

Não adianta divagar. Temos nossos problemas com a república, com a pseudodemocracia instalada e precisamos resolvê-los ou, pelo menos, encaminhar uma solução no ano que vem. Na verdade, não temos muito o que comemorar neste 128º aniversário.