Assuntos que precisamos discutir

Assuntos que precisamos discutirFim de ano e a moçada fica tensa: além da proximidade das provas finais, para os estudantes do ensino médio, tem também o ENEM. Há alguns anos, o exame é o principal meio de acesso às principais universidades brasileiras, excetuando-se o sistema paulista.

Sou fã do ENEM: um passo importante para a democratização do ensino superior no país. O estudante faz a prova onde mora e concorre a vagas em várias universidades federais, estaduais, particulares e até mesmo de outros países. E a prova é a mesma no Brasil inteiro.

Mas ENEM e polêmica andam de mãos dadas. Por enquanto, nesse ano, nenhum vazamento, nenhuma notícia de fraude. A polêmica da vez foi com relação à redação — sempre uma fonte de acalorados debates. O edital do exame previa que o texto que desrespeitasse os direitos humanos levaria, obrigatoriamente, um indiscutível zero. A Associação Escola sem Partido entrou com uma ação na justiça para revogar esse critério de correção, alegando que o candidato não poderia ser previamente punido por expressar sua opinião, e que estaria sendo imposto o conceito e o uso do detestável “politicamente correto”.

A Justiça, mesmo com idas e vindas, acatou o pedido da associação. Entendeu que não se tratava de um critério de correção, mas a negação da própria correção, já que o conteúdo ideológico se sobreporia à avaliação. A Presidente do STF, Cármen Lúcia, confirmou a sentença dada pelo tribunal de instância inferior. Contudo, nenhum dos dois tribunais interferiu nas cinco competências que se espera na redação, sendo que a quinta é justamente “elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos”.

Cá pra nós, esse imbróglio todo só aconteceu porque todo mundo apostava que o tema da redação seria homofobia. Com toda a doutrinação que observamos nos últimos tempos para a questão de gênero, LGBT e afins — hoje são tantas letras que devo estar desatualizada na sigla —, temia-se que algum estudante que expressasse opinião contrária à “ideologia” poderia ter a redação zerada e, consequentemente, perderia a chance de ingresso no ensino superior. Estaria à mercê da suscetibilidade de nossa época, com uma correção cujo “critério” seria completamente subjetivo.

Particularmente, não vejo os Direitos Humanos como ideologia e acho uma pena que muita gente atue dessa forma. Não é caso de militância, é caso de humanidade, a meu ver. É desumano matar qualquer pessoa, mas com quem as entidades de direitos humanos se ocupam? Com o assassino. É desumana a discriminação religiosa; é desumano discriminar relacionamentos e preferências sexuais; o racismo é uma desumanidade sem fim; é desumano negar refúgio a quem foge da guerra e só quer viver em paz; é desumano que gente viva nas ruas, com a dignidade perdida; é desumano não ver humanidade em quem não pode andar com as próprias pernas, seja lá por que motivo. A lista de desumanidades parece infinita. E também é desumano impor ideologias — qualquer uma — a quem quer que seja.

Francamente, não creio que essa fosse a intenção do MEC, até pelo tema maravilhoso da redação deste ano: “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. O ENEM sempre traz nos temas da redação assuntos importantes e, muitas vezes esquecidos, que toda a sociedade precisa refletir para ensejar a necessária mudança.

Tive uma vizinha surda. Que moça linda! Tão simpática, inteligente, nunca mais a vi, e agora bateu uma saudade. É da minha faixa etária. Conversávamos muito no ponto de ônibus; falávamos sobre escola, provas, chuva, sol, calor, festa da igreja, entre tantos outros assuntos. Detalhe: eu não sei nada de LIBRAS. Mas minha amiga de altos papos era exímia leitora labial e articulava as palavras que queria me dizer com seus próprios lábios! Sua ânsia de comunicação me comovia e agora, relembrando esses dias, me emociono. Soube que ela se casou com um rapaz com a mesma deficiência, e é professora. Uma profissional, mulher independente, talvez mãe. Sua família sempre a apoiou e, creio, não fez da falta de audição um obstáculo. Essa menina, pelo menos me parece, poderia ser tudo o que quisesse.

Fico pensando que os deficientes auditivos superam, admiravelmente, desafios a mais. Têm que aprender a Língua Brasileira de Sinais e o português também, como nós. Muitos ainda têm que aprender o Gestuno, a Linguagem Internacional de Sinais, que é diferente da LIBRAS. E aqueles incluídos no ensino regular têm pouca ou nenhuma adaptação das escolas, o que os força à própria adaptação, imagino, que aos trancos e barrancos. Isso sem falar nos desafios do dia a dia que, sem o sentido da audição, ficam ainda mais complicados de vencer. Não deve ser fácil, mas com isso incrementam outras habilidades.

O blábláblá da mídia é muito superficial quando se fala em inclusão social da pessoa especial. Adoram contar histórias com musiquinhas dramáticas de fundo. Mas o que precisa ser feito, poucos fazem: preparar as escolas, os professores e toda a comunidade para convivência com a pessoa especial. O desafio da inclusão é de toda a sociedade.