A última morada

A última morada   Todos os anos, na TV, sempre a mesma coisa: o movimento nos cemitérios da cidade no Dia de Finados. Fico impressionada com a quantidade de gente que visita a última morada de seus entes queridos, levando flores e velas ou até outros apetrechos, dependo da crença de cada um.

Os rituais de culto aos mortos são antigos na humanidade. Na pré-história, os rituais funerários existiam, mas o culto aos mortos durava muito pouco tempo, visto que em nossos primórdios, nossa espécie era nômade.

O culto aos mortos é, sem dúvida, um dos elos da espiritualidade. Interessante que, segundo apurei, existe desde a pré-história, passando por todas as civilizações, até os dias de hoje, nas diferentes culturas. Depois que nossa espécie passou ao sedentarismo, os rituais fúnebres se tornaram mais complexos, mas eram concretos e relacionados com o cotidiano do morto, no limite, do próprio grupo. Os túmulos eram ornados com carcaças de animais que seriam uma representação das características do falecido.

Na complexa Grécia antiga, os rituais religiosos, incluindo o culto aos mortos, explicam os vários mitos, com destaque para o mito do herói. No calendário anual, havia a Festa dos Mortos.

No Egito antigo, os mortos tinham um tratamento especial, devido à crença de que teriam vida nova. Não por acaso, os egípcios de posição social mais privilegiada tinham seus corpos preservados e seus túmulos eram especialmente ornados e lá dentro eram colocadas as riquezas do morto, bem como fartura de comida e bebida. Há vasto material e conhecimento sobre isso.

Os Incas, a maior civilização das Américas, tinham permanente culto aos mortos, o que espantou e surpreendeu os espanhóis quando chegaram ao Novo Mundo. Os mortos coabitavam com os vivos e davam conselhos, orientações, concessões. Reza a lenda que Francisco Pizarro foi pedir a mão de uma princesa para um aliado e qual não foi sua surpresa ao se deparar com patriarca do clã: uma múmia, que deu a bênção para o casamento. Não me perguntem como!

Atualmente, o destaque é o Día de los Muertos, no México. É a tradição mais representativa da cultura mexicana. A origem do culto está na era pré-hispânica. Entre os povos astecas e maias era comum preservar os crânios como troféus e exibi-los nos rituais de morte e renascimento. As caveirinhas são característicos itens de decoração de qualquer restaurante mexicano no Brasil, não é mesmo? A festa atual mexicana é um misto de celebrações dos povos pré-hispânicos e europeus. A crença popular é que a alma dos mortos regressa nesse dia e, para tanto, é preciso recebê-los com uma oferenda, uma festa, com toda comida e bebida de que o morto gostava.

A cultura católica é mais sombria. Celebra-se o Dia dos Fieis Finados com missa especial e muita oração. Apesar de católica, nunca gostei muito dessas celebrações. Sempre fui pragmática com o assunto morte.

Mas é certo que meus entes queridos que já se foram deixaram uma saudade gostosa. Para mim, qualquer dia pode ser dia de finados, porque posso me lembrar e sentir saudade dos parentes e amigos mortos a qualquer momento. A saudade chega sem aviso, bate no peito. Pode vir num sonho, num cheiro, numa comida, com uma simples frase.

Sentir saudade pode até doer, mas é bom. É sinal de que houve vida, convivência, amor, bons momentos. E essas coisas ninguém tira da gente. Nem mesmo a própria morte: levamos conosco para a nossa última morada, onde, finalmente, poderemos descansar em paz.