Dia de quê?

 

Dia de quê      Na atualidade, em que a internet e as redes sociais têm enorme protagonismo na vida e no comportamento das pessoas, um fenômeno chama a atenção. Existe dia pra comemorar tudo, simplesmente tudo. Imaginem que no dia 25 de outubro é o dia do macarrão. Dia de quê? Isso mesmo, do macarrão.

Nada pessoal contra macarrão ou massas em geral, que fique claro. Mas achei esse exemplo ótimo para vermos como somos manipulados sem nos darmos conta. Aliás, o macarrão tem datas comemorativas em vários países, mas nem imagino as motivações. No Brasil, é Lei aprovada pelo Congresso Nacional — Lei Nº 13.050/2014. Ao que consta, 25/10 foi escolhido porque é o dia em que as empresas produtoras de macarrão fazem doação do alimento a entidades beneficentes. Enfim, mais uma lei em que a motivação é puramente a propaganda comercial de produtos que beneficiam grupos de interesse. E que grupos seriam esses? Vamos nos lembrar de que macarrão é feito unicamente de trigo, cereal que o Brasil é dependente de exportações.

Além da excrecência nacional, há inúmeras comemorações bizarras pelo mundo. Por exemplo, dia 13 de abril ou 6 de julho — qualquer um dos dois ­— é o dia do beijo. E tem lá dia certo para beijar? Reza a lenda que um padre italiano ofereceu um tesouro à mulher que nunca havia sido “vítima” do beijoqueiro-mor do povoado. Nenhuma apareceu e o tesouro permanece escondido. Essa história vai na contramão dos contos de fadas, que sempre terminam com um beijo e o fatídico “foram felizes para sempre”. Seria bom que esse tesouro aparecesse, porque declaro, de público, que nunca fui beijada por esse mancebo; não há nem fotos, nem vídeos que comprovem que estive com o beijoqueiro. Pronto, dá-me o prêmio.

Outra curiosa data comemorativa é o dia da alegria, celebrada em 8 de julho. Precisa dia certo para se alegrar? Ou para se lembrar de que esse sentimento existe? E como fica o samba enredo da União da Ilha de 1982, que cunhou, bem no carnaval, em fevereiro, que “é hoje o dia da alegria/ e a tristeza, nem pode pensar em chegar”? E Dadá Maravilha, ex-jogador de futebol que, em recente entrevista disse, com todas as letras que é alegre, mas não é feliz? Pra ele, todo dia é dia da alegria, ainda que leve uma vida que lhe pareça infeliz.

Para o horror das feministas de plantão, existe até o dia da Tia Solteirona, 25 de setembro. Cá pra nós, feminista ou não, esse rótulo é ridículo! E o pior é ter um dia para lembrar. Primeiro, atualmente, a imensa maioria das mulheres não precisa de homem para seu sustento, nem para dar prazer, nem para ter filhos — taí a Karina Bacchi que dispensou o marido e foi ter seu filho feliz, sozinha. Segundo, vemos que o ditado “antes só do que mal acompanhada” se confirma a cada dia; verdade seja dita: tem muito homem que não vale um vintém. Rotular de solteirona uma mulher que optou por não se casar, ou que não encontrou alguém que valesse a pena se amarrar, é grosseria, machismo e tira o foco do que realmente importa na pessoa, praticamente criminaliza as escolhas ou circunstâncias. Aliás, rótulos são todos odiosos.

Para terminar, queria lhes contar que a saudade também tem seu dia (30 de janeiro), mas, muito mal-educada, vem quando bem entende, sem nem avisar. E não tem como evitar, esquecer ou deixar pra lá. Comemorar a saudade é que é estranho; em dia específico, ainda mais bizarro. Aliás, dependendo do estado de espírito, podemos passar dias e mais dias sentindo saudade, seja de parentes, de cheiros, sabores, de ares, ou mesmo do passado.

Falando em passado, essa crônica me deixou com saudade da macarronada da minha mãe! Posso até sentir o aroma do refogado dos temperos…

Bom fim de semana procês!