O último adeus

Estava notavelmente composto, apesar de todas as coisas pelas quais passara nos últimos dias.

Olhou-se no espelho e, definitivamente, não gostou da imagem que via. Estava composto, mas seus olhos haviam perdido o brilho e estavam muito fundos. Sua face tinha um tom de defunto recém-desencarnado. Seu corpo parecia murcho, quantos quilos perdera em uma semana? Os cabelos, antes abundantes, caíram de uma só vez, em poucos dias. Estava composto, sim, mas depauperadíssimo.

Tudo havia começado quando bateram à porta de casa. Era a polícia federal, uma operação que envolvia pelo menos quatro agentes ali, dentro de sua casa. Armas em riste, se entregou sem resistência e a residência foi rastreada, enquanto ele esperava na viatura. Sua mulher, acuada e sem compreender o que estava acontecendo, chorava e não dizia nada que fizesse sentido. Por mais que mandasse Elinete calar a boca, ela permanecia falando. Um perigo, a qualquer hora podia sair alguma informação, ainda que ela de nada soubesse, poderia dizer algum nome, restaurantes, hotéis…

Em pouco tempo, chegaram com o cofre, a chave do segredo detonada. Viu seus papeis nas mãos dos canas. Maldição!

Pediu para ligar para um advogado, afinal tinha direito à defesa. Foi-lhe dado um número telefone celular e um endereço onde o tal advogado poderia encontrar-se com ele. Ligou, não atendeu. Maldito!

Foi levado para o cárcere. Como assim? Preso, ele, um senhor de quase 80 anos? Questionou a prisão, alegando ser idoso.

— É, vovô! Pra comer uma moça tão nova e roubar o senhor esbanja jovialidade, não é mesmo? – ouviu aquilo de um agente debochado e reivindicou respeito.

 — Meliante, canalha, ladrão: não merece meu respeito, nem o de ninguém. Cala essa sua boca corrupta!

Concluiu ser melhor ficar calado mesmo. E assim permaneceu até que seu advogado apareceu, depois de chegar da viagem de férias, retorno antecipado pelas notícias que saíram em todas as mídias.

Com o advogado vieram as más, na verdade, péssimas notícias.

E foi devido a algumas destas notícias que ele se via naquele espelho, notavelmente composto, ainda que algemado, mesmo vestido com o uniforme alaranjado, à espera do momento de despedir-se de sua pantera. Elinete havia sido encontrada enforcada no apartamento da irmã, pois sua casa estava lacrada pela polícia havia alguns dias, ninguém entrava, ninguém saía. Depressão, suicídio, foi o que lhe disseram.

Ao aproximar-se do caixão, pediu ao agente que o acompanhava um minuto de privacidade para despedir-se de sua companheira.

— Agora descansa, meu bem. Suguei sua gostosura e mandei te matar, sim. Você sabia demais, estava com medo e queria livrar sua cara, que eu sei. Antes que abrisse a boca, te eliminei. Seria fácil pra você livrar sua cara e depois arranjar outro pra te bancar. Isso eu não aguentaria. Adeus, querida! Ainda nos encontraremos.